SOFRIMENTO: UM TRAMPOLIM PARA A MATURIDADE

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Este artigo faz parte de meu livro: "O Problema do Mal"
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Embora grande parte das pessoas pense que não há razões para Deus permitir o sofrimento em um mundo livre, a realidade nos mostra o oposto. Quase sempre aprendemos algo mediante o sofrimento. Como Norman Geisler e Frank Turek corretamente observam no clássico livro “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, você não pode desenvolver a coragem a não ser que esteja em perigo, não pode desenvolver perseverança a não ser que tenha adversidades, não pode desenvolver a compaixão a não ser que alguém esteja passando necessidade, e não pode aprender a servir a não ser que tenha alguém a servir.

 

Em seu livro “O Fim do Sofrimento”, Maurício Zágari também observa:

 

Não amei abnegadamente até que aprendi a dor da falta de amor. Não valorizei de fato a alegria até que vivenciei esmagadoras tristezas. Não entendi a importância de promover a paz até presenciar o ódio. Não tive paciência até descobrir que há coisas que absolutamente não dependem de mim. Não fui verdadeiramente amável até que em solidões profundas precisei de mãos estendidas e abraços honestos. Não fui bom até que sentisse na carne as consequencias da maldade. Não fui fiel a Deus até que dependi totalmente do invisível. Não fui manso até que a ira mostrou suas garras. Não tive domínio próprio até que meus descontroles me prejudicassem.

 

O próprio Zágari é um exemplo de aprendizado em meio ao sofrimento. Eu nunca escondi o quanto que ele foi fundamental no meuaprendizado. Muito da minha cosmovisão e até do jeito de escrever eu devo a ele. O que poucos sabem, contudo, é que Zágari sofre de uma doença chamada fibromialgia desde seus 24 anos. Essa doença, segundo seus próprios relatos, lhe causa uma dor terrível em todas as partes do corpo, vinte e quatro horas por dia, e pior: não possui cura. Até seus textos, que edificam tantas vidas, são escritos com uma caneta em cada mão, pois o contato do próprio dedo com o teclado lhe causa grande sofrimento.

 

Qual é a atitude de Zágari em meio à dor? Em vez de resmungar com Deus e culpá-lo pelos males que sofre, ele conta em seu blog Apenas (apenas1.wordpress.com) sobre o quanto foi aperfeiçoado pelo sofrimento, e o quanto que este mal serviu para um bem maior:

 

Sei o que Deus fez em minha vida por intermédio de todo esse sofrimento. Não vou contar tudo aqui, seria um livro. Basta dizer que pelo menos 9 pessoas de minha família foram salvas por Jesus de um modo ou de outro por causa dessa minha doença, por caminhos que você não imagina. Depois que minha inimiga manifestou-se no meu corpo, ainda traduzi 17 livros cristãos, usando um software de ditado vocal, escrevi quatro livros com o velho método de caneta sobre caderno, trabalhei 9 anos em televisão, 3 anos em comunicação empresarial e hoje trabalho junto à denominação em que congrego.

 

Por meio do aprendizado frente ao sofrimento, Zágari deixou o lugar-comum da maioria dos cristãos “esquenta banco” nas igrejas, e se tornou, para mim e para milhares de pessoas, um referencial na literatura evangélica, um exemplo de caráter e um abençoador de vidas. Sim, há como aprender com o sofrimento – só depende de como você vai reagir a ele! Como o próprio Zágari escreve, o sofrimento muitas vezes é como a agulha de uma injeção: a picada dói, mas evita que um mal muito mais grave venha a nos prejudicar. Enquanto nós nos preocupamos bem mais com o fim (término) das dores, Deus se importa bem mais com o fim (finalidade) delas.

 

Se você refletir sobre sua própria vida, provavelmente irá notar que aprendeu muita coisa por meio do sofrimento, se é que se deixou aprender por ele. Dutch Sheets, no excepcional livro “Oração Intercessória”, nos conta um pouco sobre suas próprias experiências:

 

Quando eu era criança, me perguntava por que a placa dizia “não mergulhe” na parte rasa da piscina. Então, um dia, eu bati a cabeça no fundo. Aí entendi. Eu perguntava por que eu não devia tocar a chama acesa do fogão. Também descobri. Eu questionei quando um colega que estava à minha frente na floresta disse: “Abaixe a cabeça”. Eu pensei: Não quero abaixar a cabeça. Não tenho que abaixar. Então bati a cabeça num galho. Agora, sempre que passo pela floresta, abaixo a cabeça.

 

Se você é pai ou mãe, sabe perfeitamente da necessidade de disciplinar seu filho caso ele se recuse a obedecer. Filhos que nunca são disciplinados tendem a se tornar rebeldes, indisciplinados e mimados quando crescem. Nunca ouviram um “não”. Não aprendem com as lições da vida, porque sempre tem tudo o que querem. Não sabem o que é obedecer a autoridade dentro de casa, e quando saem para o mundo não conseguem obedecer as autoridades de fora.

 

Grande parte dos criminosos de hoje em dia jamais teve um lar estruturado. Alguns foram criados só com o pai ou só com a mãe, outros foram cuidados por avós, e outros por pais irresponsáveis, que lhes davam liberdade demais, e, assim, criaram os verdadeiros monstros que se tornaram. Nunca chegaram à maturidade, porque só é possível chegar à maturidade quando se aprende por meio do sofrimento e das privações.

 

É por isso que você disciplina seu filho: não porque não o ame, muito menos porque objetive o sofrimento em si, mas porque sabe que isso é necessário para torná-lo uma pessoa mais madura, disciplinada e obediente para enfrentar os duros obstáculos da vida real. Essa disciplina pode variar, desde ter o vídeo game cortado até levar uma chinelada no bumbum. No entanto, qualquer que seja a disciplina imposta irá fazer seu filho sofrer, em alguma medida. Por mais que eles possam não entender perfeitamente, você sabe que disciplina para o bem deles. Da mesma forma, nosso Pai celestial diz:

 

“Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele lhes dirige como a filhos: ‘Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se magoe com a sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho’. Suportem as dificuldades, recebendo-as como disciplina; Deus os trata como filhos. Pois, qual o filho que não é disciplinado por seu pai?” (Hebreus 12:5-7)

 

Claro que nem todo o sofrimento é infligido por Deus, mas todo sofrimento é permitido por Ele – e se ele permite, é porque há alguma razão, e eu penso que na grande maioria das vezes, no que tange ao sofrimento do dia a dia, ele existe como um meio para o aperfeiçoamento de nós mesmos e/ou da vida de outras pessoas através da nossa. Claro que eu não estou incluindo aqui questões maiores e mais profundas como a fome da África (que serão abordadas mais adiante), mas o sofrimento do dia a dia é o tipo mais comum e habitual.

 

Não conheço ninguém que se tornou ateu porque crianças morrem de fome na África, mas conheço muitos que se tornaram ateus porque eles mesmos sofreram alguma coisa na vida, e por isso se decepcionaram com Deus. Em vez de usarem o sofrimento como um trampolim para a maturidade, preferiram usar como pretexto para a perda da fé.

 

O conceito do sofrimento como um trampolim para a maturidade e como um meio de aprendizado também é bastante ressaltado na Bíblia. Quando Miriã se tornou orgulhosa e soberba, a lepra veio temporariamente sobre ela, para lhe ensinar humildade. As muitas tribulações que José sofreu, sendo vendido como escravo e depois aprisionado, lhe tornaram o homem maduro que governou todo o Egito com sabedoria. Jacó, que era um trapaceiro, foi moldado pelas adversidades para se tornar Israel, de quem provém toda a nação.

 

Antes de se tornar o grande libertador do povo de Deus, Moisés teve que passar quarenta anos no deserto. Antes de se tornar o grande rei de Israel, Davi teve que fugir do rei Saul por anos. Antes de se tornar o precursor do Messias, João Batista passou décadas comendo gafanhotos e mel silvestre no deserto. Antes dos apóstolos se tornarem os grandes líderes da Igreja primitiva, eles tiveram que abandonar tudo para seguir Jesus. Antes de Jó ter um relacionamento com Deus mais profundo do que o “ouvir falar” (Jó 42:5), ele teve que mostrar fidelidade depois de perder tudo.

 

Talvez o caso mais marcante seja o do apóstolo Paulo, ex-perseguidor dos cristãos. Após sua conversão, Deus disse a Ananias:

 

“Este homem é meu instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e seus reis, e perante o povo de Israel. Mostrarei a ele o quanto deve sofrer pelo meu nome" (Atos 9:15-16)

 

E Paulo sofreu como poucos. Ele testemunhou a seu respeito:

 

“São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma — eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas” (2ª Coríntios 11:23-28)

 

Em certa ocasião, ele foi preso apenas por estar pregando o evangelho:

 

“Depois de serem severamente açoitados, foram lançados na prisão. O carcereiro recebeu instrução para vigiá-los com cuidado. Tendo recebido tais ordens, ele os lançou no cárcere interior e lhes prendeu os pés no tronco. Por volta da meia-noite, Paulo e Silas estavam orando e cantando hinos a Deus; os outros presos os ouviam. De repente, houve um terremoto tão violento que os alicerces da prisão foram abalados. Imediatamente todas as portas se abriram, e as correntes de todos se soltaram” (Atos 16:23-26)

 

Paulo e Silas não estavam presos em uma prisão comum, mas em uma em que se amarravam os pés dos prisioneiros, que não podiam se mexer. Aquele tipo de prisão antiga era um local repleto de ratos e outros bichos, e, para piorar, Paulo e Silas já haviam levado 39 açoites dos romanos, sem terem feito nada de errado para merecerem aquilo.

        

Como Paulo reagiu a tudo isso? Ele podia estar murmurando, como muitos hoje fazem por muito menos. Ele poderia estar resmungando, frustrado, irado por estar sendo tratado daquela forma sem ter feito nada para merecer tal tratamento. Entretanto, como foi que ele realmente reagiu? Com louvor. Com adoração. Com rendição. As tribulações que Paulo sofreu não fizeram dele um velho rabugento, mas alguém que foi aperfeiçoado de tal forma que pôde dizer:

 

“Aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4:11-13)

 

Paulo chegou a um nível de maturidade que não poderia ser alcançado de outra forma a não ser que passasse por tudo o que passou. Ele foi moldado, lapidado e aperfeiçoado por meio do que sofreu. Suas lutas diárias lhe tornaram o homem espiritualmente e naturalmente maduro que foi, e decisivo para a doutrina cristã, autor de metade dos livros do Novo Testamento. O que pode acabar com o ser humano não é o sofrimento em si, mas como ele reage em meio à dor. Há aqueles que se deixam aprender pela dureza da vida, e há aqueles que deixam que a vida os derrube. Penso que é sobre isso que Paulo fala aos coríntios, no texto que diz:

 

“A tristeza segundo Deus produz um arrependimento que leva à salvação e não remorso, mas a tristeza segundo o mundo produz morte. Vejam o que esta tristeza segundo Deus produziu em vocês: que dedicação, que apologia, que indignação, que temor, que saudade, que preocupação, que desejo de ver a justiça feita! Em tudo vocês se mostraram inocentes a esse respeito” (2ª Coríntios 7:9-10)

 

Há uma “tristeza segundo Deus”, que, além de gerar salvação, produz ainda um aperfeiçoamento de caráter. No entanto, outros têm apenas a “tristeza segundo o mundo”, que só produz morte. Há uns que se deixam tratar pelos sofrimentos, e há outros que não permitem ser tratados. Consequentemente, enquanto uns usam o sofrimento como um trampolim para a maturidade, outros deixam que a tristeza tome conta de sua vida até dominá-los por completo. Tudo depende da forma que nós vamos reagir às adversidades: se permitiremos que Deus atue mediante os problemas da vida, ou se desistiremos tão logo a primeira tempestade vir.

 

Paulo era alguém que se deixou ser moldado por Deus em meio às tribulações, de modo que pôde se gloriar delas, em vez de murmurar:

 

“Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu” (Romanos 5:3-5)

 

Tenho percebido essa realidade na vida de muitas pessoas que conheço. Algumas são paralíticas, ou cegas, ou tem enormes e profundos problemas, traumas de infância, condição financeira alarmante, perda de familiares e pessoas queridas, e mesmo assim não deixam de glorificar a Deus em todo o tempo. E, por mais que seja difícil entender, elas vivem felizes, em vez de se deixarem vencer pelos problemas. O sofrimento na vida delas não serviu para criar um indivíduo resmungão de mal com a vida, mas criou um ser mais maduro, mais íntegro e, ironicamente, até mais feliz!

 

Paradoxalmente, conheço outras várias pessoas que sofrem muito menos do que essas de cima, e que não fazem outra coisa na vida além de murmurar e culpar Deus o tempo todo. Pessoas que sofreram ou sofrem alguma coisa, mas em medida muito menor que aquelas, e simplesmente por não ter o trabalho ou a família dos sonhos, ou por não ter a cura para uma determinada enfermidade que sofre, abandonam a fé e passam a crucificar Cristo novamente.

 

Um deles bateu o carro certa vez, então culpou Deus por não ter impedido o acidente e virou ateu. Em vez de concluir que ele é um barbeiro que não sabe dirigir, ele conclui que Deus não existe (e que mesmo assim é o culpado!). Em compensação, muitas pessoas que passaram pelo holocausto nazista e saíram de lá mantiveram a fé em Deus e testemunharam do Seu amor por toda a vida.

 

No livro “Decepcionado com Deus”, Philip Yancey conta a história real de Douglas, um “Jó” dos nossos tempos. Sua esposa sofria de um tumor no seio, que depois se espalhou para os pulmões. Ele teve que cuidar da casa sozinho enquanto sua esposa lutava contra o tumor e se tratava com quimioterapia. Tudo piorou quando, certo dia, um motorista bêbado, na contramão, bateu de frente com eles. Sua filha teve um braço quebrado e cortes profundos no rosto por causa do vidro, e ele recebeu uma fortíssima pancada na cabeça.

 

Por causa do acidente, Douglas passou a ter ataques contínuos de dor de cabeça, não conseguia trabalhar direito e teve sua visão permanentemente afetada. Um dos seus olhos se movia sem controle, recusando-se a focalizar. Passou a ter visão duplicada e mal podia descer um lance de escadas sem ajuda. Amante de livros, não conseguia mais ler direito, e teve que ler livros produzidos para cegos. Se alguém tinha o direito de estar irado com Deus seria Douglas. E, para piorar, naquela mesma semana em que se encontrou com Philip havia recebido a notícia de que outra mancha surgira no pulmão da sua esposa.

 

Ao terminar a refeição, Philip perguntou:

 

— O que você teria a dizer sobre a sua própria frustração ou desilusão? O que você aprendeu que possa ajudar outra pessoa que esteja atravessando um período difícil?

 

— Para dizer a verdade, Philip, não senti qualquer desilusão com Deus. A razão é a seguinte. Aprendi, primeiramente com a enfermidade da minha esposa e então especialmente com o acidente, a não confundir Deus com a vida. Não sou nenhum herói. Fico tão perturbado com o que me aconteceu como qualquer outra pessoa ficaria. Eu me sinto livre para amaldiçoar a injustiça da vida e para dar vazão a toda minha tristeza e ira. Mas creio que Deus sente a mesma coisa quanto àquele acidente — entristecido e irado. Não o culpo pelo que aconteceu. Aprendi a ver além da realidade física deste mundo. Vejo claramente a realidade espiritual. Nossa tendência é pensarmos: "A vida deve ser justa porque Deus é justo". Mas Deus não é a vida. E, se eu confundo Deus com a realidade física da vida — ao esperar, por exemplo, constante boa saúde — então me coloco na posição de ter uma decepção enorme. A existência de Deus, até mesmo seu amor por mim, não depende de minha boa saúde. Com toda franqueza, tive mais tempo e oportunidade para desenvolver meu relacionamento com Deus durante esse tempo de limitações físicas do que antes. Se desenvolvermos um relacionamento com Deus independente das circunstâncias de nossa vida, então poderemos ser capazes de ficar firmes quando a realidade física se desmoronar. Podemos aprender a confiar em Deus apesar de toda a injustiça da vida. Não é essa a lição principal de Jó? Desafio você a ir para sua casa e ler de novo a história de Jesus. A vida foi "justa" com ele? Para mim, a cruz acabou definitivamente com a crença enraizada de que a vida será justa.

 

A história de Douglas se repete com milhões de pessoas que passam por circunstâncias tão ruins quanto, mas que sabem diferenciar seu sofrimento da fidelidade e do amor de Deus. Neste mundo – disse Jesus – teremos aflições (Jo.16:33). Mas o verdadeiro cristão consegue olhar para além da aflição em si, e vislumbrar o mais importante: Ele venceu o mundo. E é a vitória de Cristo na cruz do Calvário que nos garante Seu amor para conosco e a realidade da recompensa na vida futura.

 

No livro “Apologética para questões difíceis da vida”, William Lane Craig conta um pouco sobre a vida de Mabel, uma senhora que um ex-colega seu conheceu em um asilo. O que se segue é o relato dele:

 

Quando o fim do corredor se aproximava, vi uma velha senhora amarrada numa cadeira de rodas. Sua face era um horror absoluto. O olhar fixo dela era vazio, e as pupilas brancas de seus olhos me diziam que ela estava cega. O grande aparelho de audição sobre um ouvido me dizia que ela estava quase surda. Um lado de sua face estava carcomido pelo câncer. Havia uma ferida desbotada com corrimento cobrindo uma parte de uma face. Essa ferida tinha empurrado seu nariz para o lado, feito um olho cair e tinha distorcido a mandíbula de modo que o que deveria ter sido o canto de sua boca era a parte mais baixa de sua boca. Como consequência, ela babava constantemente... Também soube mais tarde que essa mulher tinha 89 anos de idade e que ela tinha estado acamada, cega, quase surda e solitária, por 25 anos. Ela se chamava Mabel.

 

Nem sei por que falava com ela – ela parecia a pessoa menos provável a me responder do que a maioria das pessoas que vi naquele corredor. Mas pus uma flor na sua mão e lhe disse: ‘Aqui está uma flor para você. Feliz dia das mães’. Ela apertou a flor contra a face e tentou cheirá-la, e, então ela falou. Para minha surpresa, suas palavras, embora um pouco atrapalhadas por causa de sua deformidade, foram obviamente produzidas por uma mente clara. Ela disse: ‘Obrigada. Você foi muito amável, mas posso dá-la a outra pessoa? Não posso vê-la, você sabe, sou cega’.

 

Disse: ‘Com certeza’. A empurrei em sua cadeira de volta para o corredor, para um lugar onde pensei que pudesse encontrar alguns pacientes alertas. Encontrei um e parei a cadeira. Mabel segurava a flor e disse: ‘Toma, isto vem de Jesus’.

 

Foi aí que comecei a cair em mim de que ela não era um ser humano comum... Mabel e eu nos tornamos amigos nas poucas semanas seguintes, e fui vê-la uma vez ou duas por semana nos três anos seguintes... Poucas semanas antes de me conscientizar de que estava sendo útil para lhe proporcionar um sentimento de encanto, eu ia a seu encontro com uma caneta e um papel para registrar as coisas que ela dizia...

 

Durante uma semana febril de exames finais, fiquei frustrado porque minha mente parecia estar sendo puxada em dez direções de uma vez, com o monte de coisas sobre as quais tinha de pensar. Uma pergunta me ocorreu: ‘Em que Mabel pensa – hora após hora, dia após dia, semana após semana, mesmo sem ser capaz de saber se é dia ou noite?’ Assim, fui a ela e lhe perguntei: ‘Mabel, em que você pensa quando estou aqui?’

 

E ela disse:’ Penso em meu Jesus’.

 

Sentei-me ali e pensei por um momento a respeito da dificuldade que eu tinha de pensar em Jesus por apenas cinco minutos, e perguntei: ‘O que você pensa sobre Jesus?’ Ela respondeu, de forma lenta e debilitada, como escrevi. E isto foi o que ela disse:

 

Penso sobre quão bom ele tem sido para mim. Ele tem sido tremendamente bom para mim em minha vida, você sabe... Sou uma daquela espécie que está muito satisfeita... Muitas pessoas pensam que sou daquelas à moda antiga. Mas não me importo. Ao contrário, tenho Jesus. Ele significa tudo pra mim.

 

Então Mabel começou a cantar um velho hino:

 

Jesus é tudo pra mim

Minha vida, minha alegria, meu tudo

Minha força em todas as manhãs

Sem ele, eu cairia

Quando estou triste, me aproximo dele

Ninguém pode me confortar tanto assim

Quando estou riste, ele me faz alegre

Ele é meu melhor amigo.

 

Após refletir sobre isso, percebi que o problema real não está em Deus, porque milhões de pessoas sofrem verdadeiramente, e mesmo assim permanecem fieis e firmes na fé, sendo inclusive aperfeiçoadas pelo sofrimento. Se essas pessoas que sofrem pra valer não usam seu sofrimento contra Deus, então aquelas que murmuram por muito menos tem um problema, e este problema não é Deus, mas elas mesmas. Por rebeldia, elas não se permitem ser tratadas mediante as adversidades, e Deus respeita o livre-arbítrio delas nisso também.

 

Como Zágari escreve, nós convidamos o sofrimento a fazer parte de nossa vida ao comermos do fruto proibido e transgredir o estado perfeito em que formos criados. O que Deus faz é pegar esse sofrimento e usá-lo em nosso favor e para a sua glória. Mas, como todo cavalheiro, Deus não vai aperfeiçoar a pessoa contra a sua própria vontade. Em “A Anatomia de uma Dor”, C. S. Lewis transmite este conceito por meio de uma analogia. Suponha que quem está diante de você é um cirurgião cujas intenções são totalmente boas. Quanto mais amável e mais consciente ele é, mais inexorável ele vai cortando. Se ele fizesse concessão a seus rogos, se ele parasse antes que a operação fosse completada, toda dor até aquela altura teria sido inútil.

 

Deus pode interromper o sofrimento de uma pessoa e pode até dar a ela a vida que ela sempre sonhou, mas ao fazer isso estará interrompendo a cirurgia na metade do tratamento, tornando inútil tudo o que a pessoa passou. Talvez o caso mais notável seja do rei Ezequias, que teve sua morte decretada por Deus, mas que insistiu tanto que o Senhor lhe concedeu mais quinze anos de vida. Ezequias era um dos poucos reis justos e tementes a Deus em Israel, mas estragou tudo nestes últimos quinze anos que teve. Como consequencia de um ato insensato, o cativeiro de Israel foi profetizado (2Rs.20:12-19).

 

Em geral, nós costumamos confiar nos dentistas em que nos tratamos, mas não damos o mesmo crédito a Deus. No fundo, assim como o rei Ezequias, não confiamos seriamente que no fim das contas tudo irá cooperar para o bem daqueles que O amam (Rm.8:28). Em vez disso, nossa primeira reação é culpar Deus pelo nosso sofrimento, e assim abrir mão do que poderia ser um tratamento para esta vida e uma garantia para uma vida eterna.

 

Paulo escreveu que “os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles” (2Co.4:17). Lembre-se que estamos falando do mesmo apóstolo que sofreu tudo aquilo que listei anteriormente (2Co.11:23-28). Seus sofrimentos incluíam:

 

1. Ter trabalhado muito mais do que qualquer outro apóstolo.

2. Ter sido encarcerado muito mais vezes.

3. Ter sido açoitado mais severamente.

4. Ter sido exposto à morte repetidas vezes.

5. Cinco vezes recebeu dos judeus trinta e nove açoites.

6. Três vezes foi golpeado com varas.

7. Uma vez foi apedrejado.

8. Três vezes sofreu naufrágio.

9. Passou uma noite e um dia exposto à fúria do mar.

10. Enfrentou perigos nos rios, perigos dos assaltantes, perigos dos judeus e dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos.

11. Trabalhou arduamente sem dormir.

12. Passou fome e sede.

13. Muitas vezes ficou em jejum suportando o frio e a nudez

14. Tem a pressão interior da responsabilidade para com todas as igrejas.

 

E, mesmo assim, Paulo chama seus sofrimentos de “leves e momentâneos”, porque ele não fixava os olhos no sofrimento em si, mas no bem maior que ele produz: uma glória eterna, contra a qual nenhum sofrimento se compara. O que são dez, vinte, trinta ou setenta anos de sofrimento em comparado com toda uma eternidade sem fim de recompensa e glória? Nada. É como um grão de areia na imensidão da praia. Quem entende isso sabe que, não importa o quão dolorosa seja a vida presente, ela não é nada em comparação com o esplendor da vida eterna. Absolutamente nada do que possamos sofrer aqui é digno de ser comparado com a coroa da vida que nos espera. Diante da perspectiva da vida eterna, reclamar por alguns anos de sofrimento é ridículo.

 

É diante desta perspectiva cristã que entendemos a mentalidade de Paulo, quando disse:

 

“Para com os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns. Faço tudo isso por causa do evangelho, para ser co-participante dele. Vocês não sabem que dentre todos os que correm no estádio, apenas um ganha o prêmio? Corram de tal modo que alcancem o prêmio. Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma coroa que logo perece; mas nós o fazemos para ganhar uma coroa que dura para sempre. Sendo assim, não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem esmurra o ar. Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado” (1ª Coríntios 9:22-27)

 

É importante ressaltar ainda que algumas vezes o sofrimento pode não ser tão útil para nós mesmos nesta vida, mas tem influência decisiva na vida de outras pessoas, além do prêmio da imortalidade concedido aos que permanecem fieis. Os discípulos de Jesus não sabiam por que certo homem havia nascido cego. Eles pensavam que a culpa fosse dele mesmo ou de seus pais (Jo.9:2), mas Jesus respondeu que era “para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (Jo.9:3). Muitas pessoas foram salvas através daquela cura espetacular – pessoas essas que presumivelmente não creriam se não vissem um milagre tão poderoso. Aquele cego não fazia ideia, mas sua doença contribuiria para a salvação de muita gente.

 

“A felicidade não se compra”, filme de 1946 (no original, It's a wonderful life), retrata bem essa perspectiva. O filme mostra a vida de um personagem chamado George Bailey, cuja vida vai de mal a pior, até ele tentar se suicidar e ser impedido no último momento por um anjo, que lhe mostra como a sua vida havia influenciado positivamente a vida de outras pessoas. George então descobre que se aquelas coisas não tivessem ocorrido com ele, a vida de muitas outras pessoas teria sido terrível – ainda que o próprio George nunca tenha se dado conta deste fato. O sofrimento pode aperfeiçoar a sua vida, e, caso não o aperfeiçoe, pode de alguma forma aperfeiçoar terceiros.

 

Ravi Zacharias costuma contar a história de um homem que perdeu seu cavalo, que fugiu. Depois que o cavalo fugiu, o vizinho veio e lhe disse:

 

– Que má sorte, seus cavalos fugiram!

 

Alguns dias depois, o cavalo voltou com vinte outros cavalos selvagens. E o vizinho disse:

 

– Impressionantemente, não é má sorte, é boa; você tem mais vinte cavalos!

 

O filho mais novo estava domando um dos cavalos novos, quando o cavalo o chuta e quebra sua perna. O vizinho então diz:

 

– Terrível, não é? A perna do seu filho está quebrada. Que má sorte que esses cavalos vieram!

 

Alguns dias depois, bandidos vieram procurando recrutas fisicamente hábeis para a sua gangue. E quando iam recrutar esse jovem, perceberam que sua perna estava quebrada, e disseram:

 

– Não queremos ele, vamos para a próxima casa.

 

E o vizinho disse:

 

– Que boa sorte que seu filho quebrou a perna!

 

Ravi termina dizendo que em uma pequena série de episódios a “sorte” mudou constantemente, de modo que não sabemos o que está adiante para fazer julgamentos precipitados. Por que então não esperarmos até estarmos diante de Deus, face a face, e saber por que ele permitiu o mal? 

 

Dutch Sheets nos passa uma analogia semelhante. Em uma noite escura, o capitão de um navio viu fracas luzes à distância. Ele disse ao seu sinaleiro para enviar a mensagem:

 

– Mude seu curso dez graus para o sul.

 

Imediatamente ele recebeu a resposta:

 

– Mude sua direção dez graus ao norte.

 

O orgulhoso capitão ficou irado porque estava sendo desafiado, e então enviou outra mensagem:

 

– Mude seu curso dez graus para o sul. Aqui é o capitão falando!

 

Ele recebeu a resposta:

 

– Mude sua direção dez graus para o norte. Eu sou Jones, marinheiro de terceira classe.

 

O capitão, pensando que poderia apavorar esse insubordinado marinheiro, mandou uma terceira mensagem:

 

– Mude sua direção dez graus para o sul. Esse é um navio de guerra.

 

Veio a resposta final:

 

– Mude seu curso dez graus para o norte. Estou no farol.

 

Assim como Jones, Deus está “no farol”. Por mais que não possamos compreender cada uma das suas ações, ele sabe o que é melhor para nós, em meio às trilhões de interações humanas que ocorrem todos os dias no mundo. Ele sabe o que no final irá resultar em maior aprendizado humano, em mais pessoas salvas e que melhor refletirá Sua glória e graça, sem obstruir o livre-arbítrio que ele nos concedeu. Nosso papel é apenas confiar que ele é fiel para cumprir exatamente o que garantiu, “na esperança da vida eterna, a qual o Deus que não mente prometeu antes dos tempos eternos” (Tt.1:2).

 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

 

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)

 

 

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