Introdução
A ressurreição física dos mortos sempre foi um dos pilares mais fundamentais da fé cristã, um dos fatores que distinguem os cristãos dos demais grupos religiosos, e uma das únicas crenças que superou a passagem do tempo e subsiste ainda hoje em todas as grandes denominações cristãs – seja na igreja evangélica, na católica romana ou na ortodoxa. Ela faz parte daquele conjunto de crenças tidas como fundamentais, sem as quais não é possível ser considerado “cristão”. Policarpo (69-155 d.C) dizia que aquele que diz que não há ressurreição é o “primogênito de Satanás”[1]. Justino Mártir (100-165 d.C), na mesma linha, sustentava que aqueles que negavam a ressurreição crendo que as almas já estavam antes disso no Céu, não deveriam ser considerados cristãos[2].
Na Bíblia nota-se facilmente que a ressurreição dos mortos encontra um destaque especial, sendo o cerne e o âmago de toda a expectativa cristã quanto à realidade futura. Das seis vezes em que a palavra “esperança” é mencionada no livro de Atos, em quatro é para tratar da esperança da ressurreição no último dia. Paulo era tão categórico quanto a isso que afirmava que, se não fosse pela ressurreição, os que dormiram em Cristo já teriam perecido (1Co.15:18), pois já não existiria expectativa nenhuma de realidade futura para eles. Neste caso, a nossa esperança se limitaria apenas a esta presente vida (1Co.15:19), e o próprio apóstolo teria lutado com “feras” à toa, sem razão. Por isso, a conclusão que ele tira disso é sensacional:
“Se foi por meras razões humanas que lutei com feras em Éfeso, que ganhei com isso? Se os mortos não ressuscitam, ‘comamos e bebamos, porque amanhã morreremos’” (1ª Coríntios 15:32)
Se não há ressurreição, então é inútil lutar pela fé em nosso dia a dia, e, se os mortos não ressuscitam, então vivamos uma vida hedonista de uma vez: “comer, beber e depois morrer”! Por quê? Porque, sem ressurreição, não existiria nada depois da morte. É a ressurreição que nos tira do estado de morte e nos leva à vida eterna. Por isso, se a ressurreição não existe, este estado sem-vida seria eterno, e consequentemente seria inútil buscar a Deus ou viver a fé cristã. A “solução” mais cabível neste caso seria viver para si próprio: aproveitar ao máximo esta vida presente (v.32), já que não existiria nenhuma vida após essa para desfrutar depois da morte.
Infelizmente, esta doutrina da ressurreição foi sendo cada vez mais ofuscada, suprimida e apagada por uma outra doutrina que veio depois, chamada imortalidade da alma. Esta outra doutrina ensina que os homens possuem uma alma imortal presa dentro do corpo, a qual é liberta dele imediatamente após a morte corporal, e vai para o Céu antes mesmo da ressurreição. A conclusão lógica e óbvia desta doutrina é que uma ressurreição posterior não é necessária, uma vez que já estaríamos muito bem no Céu mesmo se ela não existisse. A lógica paulina é invertida, e valeria a pena “lutarmos com feras” e viver para Deus mesmo se não houvesse ressurreição, pois sem ressurreição estaríamos para sempre no Céu do mesmo jeito, só que sem o revestimento de um corpo físico. É óbvio que isso contraria não apenas o ensino de Paulo em 1ª Coríntios 15, mas também o conteúdo geral das Escrituras, como mostrei nas mais de 800 páginas de meu livro "A Lenda da Imortalidade da Alma".
Como consequencia desta outra doutrina, a ressurreição foi sendo cada vez mais continuamente renegada aos escombros da teologia. Praticamente mais nenhum pregador faz questão de ensiná-la em seus púlpitos, exceto se for domingo de páscoa. E eu os entendo, pois de fato não há muito sentido em colocar ênfase em uma ressurreição da carne se já estaríamos no Céu antes dela, e continuaríamos ali do mesmo jeito sem ela. Não são os pregadores que estão errados, é a própria doutrina que está errada. Que a ressurreição dos mortos será naturalmente suplantada uma vez que se crê em uma alma imortal, é uma consequencia lógica e irredutível.
Pior ainda do que a própria crença em um estado intermediário consciente no Céu, é que o desprezo pela crença na ressurreição tem levado alguns grupos minoritários a renegarem a própria crença em uma ressurreição da carne, a qual tem sido crida até mesmo pela maioria daqueles que se dizem imortalistas. Alguns desses não me preocupam, pois seus pressupostos claramente os impedem de crer em uma ressurreição, tais como, por exemplo, os espíritas (por crerem em reencarnação) e os preteristas completos (por não crerem em volta de Jesus). Mas o que realmente me choca é ver algumas pessoas, ainda que em pouco número, negando a ressurreição física mesmo sem estar inserida nestes pressupostos. É a elas que este artigo é dirigido.
Uma crença crida desde sempre
A ressurreição física dentre os mortos tem sido surpreendentemente uma das poucas áreas da teologia que não foi alvo de qualquer contestação entre os Pais da Igreja, e que foi sustentada unanimemente por todos os teólogos ortodoxos ao longo de vinte séculos. Todos os “sucessores dos apóstolos”, i.e, os que ouviram a palavra de Deus direto da boca de um apóstolo e que escreveram sobre esta doutrina por escrito ainda no primeiro ou início do segundo século, creram convictamente na realidade de uma ressurreição da carne – tanto de Jesus, como também dos mortos em geral, no dia final da ressurreição (1Co.15:51-54; 1Ts.4:13-17; Jo.6:54).
Comecemos com Inácio de Antioquia (35-107 d.C), que viveu na mesma época dos apóstolos e foi doutrinado por eles. Ele se tornou bispo de Antioquia a partir do ano 68 d.C em diante, quando alguns apóstolos ainda viviam. Ele não inventou uma doutrina nova particular, mas apenas reiterou o corpo doutrinário já aceito até então pelos apóstolos, os mesmos que escreveram o Novo Testamento cristão. Inácio escreveu diversas vezes sobre a realidade da ressurreição da carne, mas aqui destacarei apenas uma delas, presente em sua carta aos erminiotas:
“Quanto a mim, sei e creio que, mesmo depois da ressurreição, ele [Jesus] estava na sua carne. Quando veio até aos que estavam em torno de Pedro, lhes disse: ‘Pegai, tocai-me, e vede que eu não sou espírito sem corpo’. E imediatamente eles o tocaram e, ao contato com sua carne e seu espírito acreditaram. É por isso que eles desprezaram a morte e foram reconhecidos superiores à morte. E depois da ressurreição, comeu e bebeu junto com eles, como um ser de carne, embora espiritualmente unido ao Pai”[3]
Inácio disse isso para refutar alguns hereges e cismáticos que estavam dizendo que a ressurreição aconteceria sem corpos físicos, mas semelhantes a espíritos:
“Ele sofreu tudo isso por nós, para que sejamos salvos. E ele sofreu realmente, assim como ressuscitou verdadeiramente. Não sofreu, apenas na aparência, como dizem alguns incrédulos. São eles que existem ‘apenas na aparência’. Assim como pensam, para eles acontecerá serem sem corpos e semelhantes a espíritos”[4]
Outra fonte importante que temos ainda no século I d.C é Clemente (35-97 d.C), que foi bispo de Roma a partir de 88 d.C, até a data da sua morte. Ele era contemporâneo de Inácio e ouviu a doutrina direto da boca dos apóstolos, em especial de Paulo, que o cita em Filipenses 4:3, na carta que escreveu em Roma. Ao escrever aos coríntios, Clemente deixou muito claro sua crença na ressurreição da carne, ao dizer que “Tu ressuscitarás minha carne, que suportou todas essas coisas”[5].
Outro escritor cristão que conviveu com apóstolos e viveu no século I d.C foi Papias de Hierápolis, nascido em algum momento próximo a 60 d.C. Infelizmente, temos apenas alguns fragmentos de Papias preservados, mas o que temos é suficiente para confirmar a crença em uma ressurreição física. Eusébio de Cesareia, citando Papias, escreveu:
“Entre essas coisas, diz que haverá mil anos após a ressurreição dos mortos e que então o reino de Cristo se estabelecerá fisicamente nesta nossa terra”[6]
Se o reino eterno de Cristo se estabelecerá fisicamente nesta terra[7], ao invés de ocorrer nas nuvens do Céu, então é óbvio que nossa ressurreição é em corpos físicos, que possam habitar em um Paraíso terrestre e físico como será na eternidade. O milenarismo de Papias, segundo Eusébio, tinha chegado a ele diretamente pelos apóstolos.
Ao chegarmos ao século II d.C, temos aqueles que conviveram com sucessores de apóstolos, ou seja, com pessoas que viveram até uma geração após a morte dos apóstolos. Entre eles se destaca Atenágoras de Atenas (133-190), que escreveu uma “Petição em Favor dos Cristãos”, que estavam sendo duramente perseguidos na época. Entre as coisas que escreve, ele faz questão de sublinhar que os cristãos não eram antropófagos (como eram acusados de ser), e a razão pela qual os cristãos se ausentavam desta prática era justamente porque criam que os corpos físicos ressuscitariam. Ele escreve:
“Além disso, quem crê na ressurreição quererá oferecer-se como sepultura dos corpos que hão de ressuscitar? Não é possível alguém acreditar que nossos corpos ressuscitarão e, ao mesmo tempo, os coma, como se não devessem ressuscitar; pensar que a terra devolverá seus próprios mortos e, ao mesmo tempo, pensar que aqueles que engoliu não reclamarão”[8]
Um contemporâneo de Atenágoras, chamado Teófilo, também convertido ao Cristianismo, igualmente ensinava a ressurreição da carne, dizendo:
“Quando depuseres a mortalidade e te revestires da incorruptibilidade, verás a Deus de maneira digna. Com efeito, Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal, contanto que agora tenhas fé nele. Então reconhecerás que falaste injustamente contra ele”[9]
Também na mesma época, Taciano, o Sírio (120-180 d.C), escreveu dizendo que “nem a alma poderia por si mesma jamais se manifestar sem o corpo, e nem a carne ressuscita sem a alma”[10]. Para Taciano, a alma não era um fantasminha que se manifestava fora do corpo, e, da mesma forma, a carne não ressuscita sem a alma. A crença na ressurreição da carne era tão fundamental para os primeiros cristãos que o antigo Credo Apostólico, um resumo das principais doutrinas cristãs, diz em seu 11º artigo: “Creio na ressurreição da carne”.
O interessante é que essa crença cristã primitiva em uma ressurreição física dentre os mortos era levada tão a sério na Igreja primitiva que os cristãos da época faziam questão de escrever longos tratados para defendê-la frente aos céticos e pagãos da época. Foi assim que surgiu a obra “Sobre a Ressurreição dos Mortos”, de Atenágoras, e também a obra “Da Ressurreição”, de Justino. Todos defendendo vigorosamente a ressurreição da carne. Eles tinham que fazer isso, pois a crença cristã na ressurreição era o maior alvo de deboche, zombaria e chacota entre os pagãos da época. Para eles, acostumados com a imortalidade natural e incondicional da alma, era completamente inadmissível a ideia de uma ressurreição física. Eles criam que o homem era espírito puro, revestido de um pedaço de carne, o qual se tornava desnecessário depois da morte. Os cristãos lutaram bravamente contra isso, provando com argumentos lógicos e racionais que a ressurreição da carne é uma crença verdadeiramente consistente.
Quem, na época, negava a ressurreição da carne? Sabemos que os cristãos não eram. Na verdade, quem costumava negar eram os gnósticos “cristãos”, que eram um grupo totalmente separado do Cristianismo tradicional (originado por Jesus e pelos apóstolos), mas que queriam misturar certos elementos cristãos com a doutrina gnóstica tradicional já existente na época. Mas para eles haviam coisas que não batiam, as quais eram consideradas absurdas para os padrões helenistas da época. Entre elas, estava a ideia de que “o Verbo se fez carne” (Jo.1:14). Então João precisou dizer que “muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Tal é o enganador e o anticristo” (2Jo.1:7).
Outro grupo pseudo-cristão eram os docéticos, que defendiam que o corpo de Jesus era uma ilusão, como se fosse um holograma moderno. Então João precisou enfatizar que não apenas seus olhos o viram, mas que também “as nossas mãos o apalparam” (1Jo.1:1). O que unia os hereges gnósticos e os hereges docéticos era, obviamente, a negação à ressurreição da carne, pois se já era inadmissível que Jesus tivesse vindo em carne, quanto mais inadmissível seria dizer que ele ressuscitou em carne! Então surgiu a ideia de que a ressurreição de Jesus foi apenas em um “corpo espiritual”, distorcendo o sentido das palavras de Paulo em 1ª Coríntios 15:44.
Embora gnósticos e docéticos já não existam mais hoje, há muitos neo-gnósticos que continuam sustentando as mesmas crenças básicas dos antigos hereges e anticristãos, contra os quais os crentes ortodoxos, os próprios apóstolos e os sucessores dos apóstolos lutaram arduamente para combater, sustentando firmemente a crença mais absurda e irracional para a época: a ressurreição da carne, que era combatida por todo mundo, em todo lugar.
O que os neo-gnósticos de hoje querem que aceitemos, basicamente, é que os primeiros cristãos – os que ouviram de perto a doutrina pela boca dos próprios apóstolos – estavam todos errados, que seus seguidores e discípulos também estavam todos errados, que todos os teólogos ortodoxos ao longo de vinte séculos também estavam todos errados, e que na verdade o que está certo é uma interpretação bíblica defeituosa que “coincidentemente” chega precisamente à mesma conclusão de todos os grupos hereges e sectários que a Igreja cristã sempre combateu ao longo de sua história: gnósticos, docéticos, platônicos e espíritas, só pra começar.
Uma crença fortemente estabelecida na Bíblia
Há muitos textos bíblicos que falam claramente da ressurreição da carne, mas se quisermos realmente entender a questão teremos que estudar o fundo histórico em que eles se encontram. O texto que eu particularmente considero mais interessante é o discurso de Paulo no Areópago (At.17:19), a “Meca” dos atenienses, o centro de todos os debates filosóficos. Ali, naquele mesmo lugar que consagrou os grandes filósofos seculares como Sócrates, Platão e Aristóteles, Paulo estava pregando a luz do evangelho da glória de Cristo – e foi por acaso, já que teve que parar ali apenas para esperar por Silas e Timóteo (At.17:15-16).
Um pouco de estudo de história é suficiente para sabermos que os gregos da época criam no dualismo de corpo e alma, na doutrina da alma inerentemente imortal e, é claro, negavam a ressurreição física dos mortos, pelas razões já mencionadas. É verdade que o evangelho cristão como um todo confrontava as crenças gregas em muitos aspectos. Todavia, os atenienses ouviam com atenção o discurso de Paulo, até que ele começou a pregar uma coisa apavorante aos ouvidos gregos:
“Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns deles zombaram, e outros disseram: ‘A esse respeito nós o ouviremos outra vez’. Com isso, Paulo retirou-se do meio deles” (Atos 17:32-33)
A crença na ressurreição da carne era tão escarnecida pelos gregos que eles deixaram Paulo falando sozinho quando ele começou a falar dela! O verso 18 é claro ao dizer que Paulo “estava pregando as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreição” (v.18). Nada era mais importante para ensinar aos gregos do que essas duas coisas: primeiro Jesus; depois, a ressurreição. Convenhamos: se Paulo estivesse ensinando somente uma “ressurreição espiritual”, que não tivesse absolutamente nada de física e que não envolvesse um corpo de carne, será que os gregos reagiriam de forma tão agressiva ao seu discurso? É lógico que não.
Que os mortos nos “éons” estavam em “corpos espirituais” (ou seja, como espíritos incorpóreos), isso era uma crença grega, e de modo algum os gregos iriam zombar de sua própria crença! O que invocou tamanha desconsideração para com o discurso de Paulo não era uma suposta ressurreição “espiritual” – algo que não causaria escândalo a grego nenhum! – mas sim a crença na ressurreição de um corpo físico, que para os gregos era sinônimo de prisão. A morte era vista como a libertação da alma, e por isso, numa visão grega-platônica, voltar ao corpo seria um regresso, uma coisa absurda. É por isso que o discurso de Paulo era tão ultrajante. Indiscutivelmente, ele estava ensinando a ressurreição física tradicional do judaísmo.
Outro texto que a evidência histórica nos ajuda a desvendar é o de Atos 23:6-10, que diz:
“Então Paulo, sabendo que alguns deles eram saduceus e os outros fariseus, bradou no Sinédrio: ‘Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos!’ Dizendo isso, surgiu uma violenta discussão entre os fariseus e os saduceus, e a assembleia ficou dividida (os saduceus dizem que não há ressurreição nem anjos nem espíritos, mas os fariseus admitem todas essas coisas). Houve um grande alvoroço, e alguns dos mestres da lei que eram fariseus se levantaram e começaram a discutir intensamente, dizendo: ‘Não encontramos nada de errado neste homem. Quem sabe se algum espírito ou anjo falou com ele?’ A discussão tornou-se tão violenta que o comandante teve medo que Paulo fosse despedaçado por eles. Então ordenou que as tropas descessem e o retirassem à força do meio deles, levando-o para a fortaleza” (Atos 23:6-10)
Aqui Paulo se identifica como um “fariseu” para ressaltar que crê na mesma ressurreição que os fariseus creem. Então para saber que tipo de ressurreição Paulo cria é extremamente simples: basta sabermos que tipo de ressurreição os fariseus acreditavam. E é unanimemente aceito que os fariseus criam em uma ressurreição física, a qual era rejeitada pelos saduceus. Flávio Josefo diz que os fariseus criam que “umas [almas] são eternamente retidas prisioneiras nessa outra vida, e outras retornam a esta”[11].
Conquanto a crença farisaica fosse em uma ressurreição física somente dos justos (enquanto os ímpios permaneceriam eternamente retidos na outra vida), é incontestável que a visão farisaica era de uma ressurreição dos justos para esta vida, confirmando o teor geral do Antigo Testamento, que sempre diz que a eternidade será na terra (Sl.37:9,11,29; 25:13; Pv.2:21; Is.60:21; v. tb. Mt.5:5; Ap.21:1-3; 2Pe.3:13). Para habitar na terra, é necessária uma ressurreição física, um corpo de carne, não um espírito fluídico imaterial.
O próprio Senhor Jesus disse que o que ressuscitará é aquilo que está “no túmulo”, ou seja, o corpo de carne e osso:
“Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (João 5:28-29)
Muito tempo antes, Daniel já dizia que o que ressuscitará são aqueles que estão “no pó da terra”, ou seja, o corpo físico, e não um suposto “corpo espiritual” que só existe hoje na mente de Deus:
“Multidões que dormem no pó da terra acordarão: uns para a vida eterna, outros para a vergonha, para o desprezo eterno” (Daniel 12:2)
Paulo compartilhava da mesma crença fundamental na ressurreição corporal quando disse que o corpo que seria ressuscitado (e tornado imortal) seria esse mesmo “corpo mortal” que temos hoje:
“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vocês” (Romanos 8:11)
O princípio básico da ressurreição é Deus ressuscitando o corpo morto através do Espírito Santo, e soprando novamente o espírito para que nos tornemos mais uma vez “almas viventes” (cf. Gn.2:7).
Um dos textos mais fortes na defesa da ressurreição da carne é quando Jó manifesta sua fé em ver “em minha carne” o Redentor no fim dos tempos:
“Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus rins se consomem no meu interior” (Jó 19:25-27)
Jó pensava que morreria pelas doenças que sofria, e que sua pele seria “consumida” (v.26). No entanto, ele não considerava isto um fim total. Ele tinha a esperança de que no fim dos tempos o Redentor (que sabemos que se trata do Messias) se levantaria sobre a terra, que é exatamente a mesma linguagem utilizada por Daniel e pelo próprio Jesus quando disse que ressuscitaria os mortos no último dia (Jo.6:39,40,44,54; 11:24), o dia da Sua volta gloriosa (1Co.15:22-23; 1Ts.4:16). Mas observe o detalhe: quando este dia chegar, Jó diz que verá a Deus “ainda em minha própria carne” (v.26), e não como um espírito incorpóreo, em um corpo imaterial! Jó poderia morrer, mas ele tinha fé em um Redentor que o ressuscitaria fisicamente para levá-lo à Sua presença!
A maior prova de que a ressurreição é física provém justamente da ressurreição física de Jesus. Isso porque Paulo igualou a nossa ressurreição com a ressurreição de Cristo, mostrando que se trata do mesmo “tipo” de ressurreição:
“Ora, se está sendo pregado que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como alguns de vocês estão dizendo que não existe ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então nem mesmo Cristo ressuscitou” (1ª Coríntios 15:12-13)
O problema para os adeptos da ressurreição “espiritual” é que há um caminhão de provas de que Jesus ressuscitou fisicamente. Em primeiro lugar, e não pouco relevante, é o próprio túmulo vazio. A não ser que os neo-gnósticos creiam na estória de que os discípulos roubaram o corpo ou nas teorias liberais que trabalham com qualquer possibilidade mirabolante menos com a da ressurreição de Cristo, eles terão que concluir que de fato “Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos” (At.10:13; 1Ts.1:10; Rm.4:24). Então, de duas, uma: ou o corpo (físico) de Jesus foi ressuscitado, ou Deus destruiu, aniquilou ou fulminou o corpo de Jesus fazendo com que ele sumisse do mapa, para lhe dar depois um “novo” corpo.
Pode parecer bizarro, mas de fato há pessoas que realmente preferem crer que Deus exterminou o corpo físico de Jesus, do que crer na opção da ressurreição. Por exemplo, as Testemunhas de Jeová afirmam:
"Então, que aconteceu ao corpo carnal de Jesus? (...) Deus removeu o corpo de Jesus, assim como fizera antes com o corpo de Moisés (...) O homem terrestre, Jesus de Nazaré, não mais existe"[12]
Não somente a alternativa da destruição do corpo de Jesus é perturbadoramente assustadora e ridícula, mas também foi o próprio Senhor Jesus que fez questão de provar que ele ressuscitou fisicamente dentre os mortos. Quando apareceu aos discípulos, ele disse:
"Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho" (Lucas 24:39)
Contrariando a tese da “ressurreição espiritual”, o Cristo ressurreto diz aos seus discípulos que ele não era um espírito, mas tinha carne e osso. Um anjo ou um ser “espiritual” jamais diria que não é um espírito. Jesus fez de tudo para provar que tinha ressuscitado fisicamente! Ele inclusive chegou a comer com os discípulos:
"Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. E por não crerem ainda, tão cheios estavam de alegria e de espanto, ele lhes perguntou: 'Vocês têm aqui algo para comer?' Deram-lhe um pedaço de peixe assado, e ele o comeu na presença deles" (Lucas 24:40-43)
Os discípulos estavam incrédulos e espantados com a ressurreição física de Jesus (como era de se esperar). Então Jesus primeiro confirmou verbalmente que ele era um ser físico, e depois provou isso, comendo um peixe assado com eles! Só então é que os discípulos deixaram a incredulidade de lado e passaram a crer. Se havia alguma maneira mais precisa e clara em mostrar que Sua ressurreição foi física e carnal – além de ter confirmado isso verbalmente e provado isso em seguida – eu simplesmente desconheço.
Se Jesus tivesse “ressuscitado” apenas “espiritualmente”, seria enormemente fácil convencer os discípulos que essa ressurreição foi apenas “espiritual” – bastava aparecer sem um corpo físico, e pronto. Mas da forma que tudo aconteceu, restam-nos apenas duas alternativas: ou ele estava enganando os discípulos, que erroneamente transmitiram este ensinamento adiante, ou então Jesus realmente ressuscitou fisicamente dentre os mortos, o que está absolutamente claro.
Na verdade, a própria definição de “ressurreição” em corpo “espiritual” (no sentido gnóstico do termo) não faz qualquer sentido, porque para os neo-gnósticos este “corpo espiritual” significa um corpo não-físico. A contradição reside justamente no fato de que a esmagadora maioria destes mesmos indivíduos que negam a ressurreição da carne em favor de uma ressurreição em “espírito” também creem em uma imortalidade da alma em um estado intermediário pré-ressurreto. Em outras palavras, para ser mais claro, eles creem que antes da ressurreição já estamos como “espíritos” no Céu, e quando finalmente chegar a ressurreição (na volta de Jesus – 1Co.15:22-23; 1Ts.4:16) nós “ressuscitaremos” como... espíritos.
Qual é a lógica ou coerência em um espírito (algo imaterial) ser revestido de um “corpo espiritual” (algo imaterial) é um mistério irracional que nunca foi explicado, porque de fato não tem nenhuma explicação racional. Algo que já é imaterial não precisa ser revestido ou transformado em algo também imaterial, e isso sequer é possível. Se existe uma ressurreição, ela precisa ser física, ou o próprio sentido da mesma se perde. Se há realmente uma ressurreição que acontece quando Jesus voltar, é obviamente necessário que ocorra alguma mudança fundamental no panorama, e não que tudo continue o mesmo. Mas se já estamos no Céu como “espíritos” antes da ressurreição, e se continuaremos no Céu como “espíritos” depois da ressurreição, então essa tal “ressurreição” é simplesmente uma redefinição sutil do termo para significar “nada”.
Seria impossível, absurdo e inadmissível pensar, por um só segundo que seja, que quando Paulo disse que se não fosse pela expectativa da ressurreição seria melhor “comer, beber e depois morrer” (1Co.15:32), se esta tal “ressurreição” se resume, na prática, a nada. Se Paulo tivesse em mente que essa ressurreição era uma transformação espiritual de algo que já é espiritual, sem ter nenhuma mudança significativa ou consistente, ele nunca teria dito que sem essa ressurreição:
• Os que morreram já teriam “perecido” (1ª Coríntios 15:18).
• Nossa esperança se limitaria somente a esta vida (1ª Coríntios 15:19).
• Teríamos lutado com “feras” à toa, sem razão nenhuma (1ª Coríntios 15:32).
• O batismo pelos mortos seria inútil (1ª Coríntios 15:29).
• Estamos nos expondo a perigos inutilmente (1ª Coríntios 15:30).
• Seria melhor vida uma vida hedonista – “comer, beber e então morrer” (1ª Coríntios 15:32).
Claramente, a concepção que Paulo tinha em mente sobre a ressurreição era infinitamente distinta da “ressurreição espiritual” que alguns creem, em um antagonismo e contraste que chega a ser gritante a um observador honesto.
Esclarecendo textos distorcidos pelos neo-gnósticos
Claro que como toda e qualquer heresia, os adeptos da corrente que nega a ressurreição da carne também tem seus textos isolados, tirados do contexto a fim de tentar fundamentar uma tese fracassada. Um dos textos mais usados por eles é um em que Jesus diz que seremos na ressurreição “como os anjos” (Mc.12:25). Daí eles tiram a ideia que seremos “como os anjos” no sentido de natureza. Mas se observarmos o devido contexto, que é o básico de toda e qualquer interpretação exegética, vemos que Jesus não estava falando de ser como os anjos na questão de natureza, mas sim no sentido de não se casar:
“’Na ressurreição, de quem ela será esposa, visto que os sete foram casados com ela?’ Jesus respondeu: ‘Vocês estão enganados! Pois não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Quando os mortos ressuscitam, não se casam nem são dados em casamento, mas são como os anjos nos céus’” (Marcos 12:23-25)
Em outras palavras, nós seremos na ressurreição “como os anjos” porque não nos casaremos (da mesma forma que os anjos não se casam). Jesus não estava falando nada de “natureza” aqui. Comparando analogicamente, seria como se eu dissesse que “na ressurreição, nós seremos como os pássaros, porque vamos voar”[13]. Se eu dissesse isso, será que alguém seria tão insano ao ponto de pensar que eu estaria ensinando que teremos a natureza de um pássaro? É óbvio que não. Qualquer pessoa sensata concluiria apenas que seremos “como os pássaros” no sentido de “voar” apenas. Da mesma forma, quando Jesus diz que na ressurreição nós seremos como os anjos porque não seremos dados em casamento, ele de modo algum estava falando de ter a mesma natureza de um anjo, mas sim sobre ter aquela mesma característica específica que os anjos têm – neste caso, de não se casar.
O segundo texto mal usado e tirado do contexto pelos neo-gnósticos é justamente aquele que era mais usado pelos próprios gnósticos nos tempos antigos: 1ª Coríntios 15:42-44, que diz:
“Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado é perecível e ressuscita imperecível; é semeado em desonra e ressuscita em glória; é semeado em fraqueza e ressuscita em poder; é semeado um corpo natural e ressuscita um corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1ª Coríntios 15:42-44)
A primeira coisa importante para se ter em mente aqui é que Paulo já havia confirmado a ressurreição física (em outras palavras, ele não havia deixado para comentar sobre isso a partir do verso 42!). Consequentemente, ao chegar ao verso 42 o objetivo era meramente dizer de que forma que este corpo físico ressuscitará, e não “se” este corpo é físico ou não. É nos versos 3 ao 32 que Paulo fala da ressurreição da carne. Ele usa o exemplo de Jesus, cuja ressurreição física estaria comprovada pelo fato de Ele ter aparecido aos discípulos:
“Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos; depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo” (1ª Coríntios 15:3-8)
Estes versos simplesmente não fazem sentido nenhum dentro do prisma de quem defende a imortalidade da alma e nega a ressurreição da carne. E isso por uma razão simples: Jesus teria morrido e sua alma ou espírito teria sobrevivido conscientemente fora do corpo, em algum lugar. Por isso, se este Jesus aparecesse aos discípulos, isso não seria nenhuma prova ou evidência de que ele tivesse “ressuscitado”, mas tão-somente que continuava vivo “no além”, como um espírito imaterial ou “alma penada”. Por que este Jesus em forma espiritual e não-física seria alguma evidência de que passou por uma ressurreição dos mortos? Simplesmente, não seria. Ele não seria mais do que um espírito do mundo dos mortos que de vez em quando “aparece” para um ser humano vivo. Se os apóstolos concluíram que ele ressuscitou,é porque algo real, visível e tangível aconteceu.
Quando Paulo chega ao verso 42, a grande questão não era mais se a ressurreição física existe ou não, mas sim de que forma que estes corpos físicos ressurgiriam. Então Paulo responde dizendo que este corpo irá ressuscitar desta forma:
• Imperecível.
• Glorioso.
• Poderoso.
• Espiritual.
De todos estes termos, apenas o último é usado pelos neo-gnósticos para tentar “refutar” a doutrina tradicional da ressurreição da carne. Isso porque eles têm em mente uma visão platônica da palavra “espírito”, que tem que sempre ser uma referência a algo não-físico. É claro que essa interpretação do termo “espiritual” confronta toda a Bíblia, pois nem sempre este termo implica em algo não-físico. Por exemplo, se eu digo que o pastor John Piper é “espiritual”, eu não estou nem de longe tentando dizer que ele é um ser não-físico, mas sim que ele é uma pessoa que “segue o espírito”, ou seja, que não é dominado pelo poder da carne. A “carne” na Bíblia tem muitas vezes o sentido de inclinação pecaminosa, ao invés de ser uma referência à parte física do homem. Observe estes textos:
“Portanto, irmãos, estamos em dívida, não para com a carne, para vivermos sujeitos a ela” (Romanso 8:12)
“Quem é dominado pela carne não pode agradar a Deus” (Romanos 8:8)
“Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem, de acordo com o Espírito, tem a mente voltada para o que o Espírito deseja” (Romanos 8:5)
“Porque, aquilo que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne” (Romanos 8:3)
“A mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo” (Romanos 8:7)
É óbvio nestes textos que a “carne” nestas ocasiões não é uma referência a um corpo físico, mas sim à inclinação ao pecado que temos desde a Queda. Ela pode ser em muitos destes textos simplesmente substituída pela própria palavra “pecado”, sem enfraquecer o sentido dos textos. Quando Paulo diz que "os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos" (Gl.5:24), ele não estava pregando a mutilação do corpo físico ou suicídio, mas apenas a mortificação do pecado que habita em nós (Rm.7:17).
O Dr. William Lane Craig concorda com isso ao dizer:
“A palavra traduzida como ‘natural’ (psychikos), literalmente significa ‘tipo alma’. Agora, obviamente, Paulo não quer dizer que nosso corpo presente é feito de alma. E, sim, com esta palavra ele quer dizer ‘dominado por’, ou ‘pertencente à natureza humana’. Da mesma forma, quando ele diz que o corpo da ressurreição será ‘espiritual’ (pneumatikos), ele não quer dizer ‘feito de espírito’. Mas, ele quer dizer ‘dominado por’ ou ‘orientado para o Espírito’”[14]
Neste sentido, portanto, ser alguém “carnal” refere-se a ser dominado pelos instintos pecaminosos do coração do homem, ao passo em que ser alguém “espiritual” significa ser alguém dominado pelo Espírito Santo, e não pelo pecado. É neste mesmo sentido que Paulo usa exatamente a mesma palavra “espiritual-pneumatikos” (de 1ª Coríntios 15:44) em Gálatas 6:1:
“Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais [pneumatikos]deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado” (Gálatas 6:1)
Não, Paulo não estava dizendo que os gálatas não eram pessoas físicas de carne e osso, mas sim que eles eram controlados pelo Espírito, e não pelo pecado!
Há um texto que lança ainda mais luz ao de 1ª Coríntios 15:44, que traça o mesmo contraste entre o “natural” (psuchikos) e o “espiritual” (pneumatikos) presente em 1ª Coríntios 15:44, e que, curiosamente, foi escrito pelo mesmo apóstolo Paulo. Trata-se de 1ª Coríntios 2:14-15, que diz:
“Ora, o homem natural (anthropos psuchikos) não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual (pneumatikos) discerne bem tudo, enquanto ele por ninguém é discernido” (1ª Coríntios 2:14-15)
Note que Paulo contrasta o homem “natural-psuchikos” com o homem “espiritual-pneumatikos”, usando exatamente as mesmas palavras no grego que ele usa em 1ª Coríntios 15:44. Mas perceba que isso não tem nada a ver com ser físico ou não ser físico! Tanto o homem “natural” quanto o homem “espiritual” são seres humanos de carne e osso, que habitam hoje na terra. A diferença é que o homem “natural” não aceita as coisas do Espírito, ao passo em que o homem “espiritual” (também físico) aceita. O contraste entre o psuchikos e pneumatikos na concepção de Paulo nunca teve nada a ver com “físico vs imaterial”, mas sim sobre aceitar ou rejeitar as coisas de Deus!
Comentando este texto em comparação com o de 1ª Coríntios 15:44, Craig afirma:
“Homem natural não quer dizer ‘homem físico’, mas ‘homem orientado para natureza humana’, e homem espiritual não quer dizer ‘homem intangível e imaterial’, mas ‘homem orientado para o Espírito’. O contraste é o mesmo em 1ª Coríntios 15. O corpo presente e terreno será liberto de sua escravidão da natureza humana pecaminosa e tornar-se, em vez disso, completamente apoderado e dirigido pelo Espírito de Deus”[15]
Semelhantemente, Jesus diz em João 3:6:
"O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito" (João 3:6)
Aqui, mais uma vez, o que nasce da carne é um ser físico, e o que nasce do Espírito também. Não há nenhuma diferença no quesito de ser físico ou não ser físico, mas no sentido de ser espiritual ou ser carnal. O “que nasce do Espírito” são os crentes regenerados, que embora sejam considerados “espírito”, permanecem vivendo em corpos físicos de carne e osso, porque são “espírito” no sentido de serem pessoas espirituais, ao invés de serem dominadas pelo pecado, aqui representado pela “carne”.
Sumariando tudo isso e muito mais que poderíamos aqui elencar, o que Paulo estava dizendo em 1ª Coríntios 15:44, através de um sério estudo hermenêutico tanto em 1ª Coríntios 15 quanto no contexto geral do Novo Testamento, não tem absolutamente nada a ver com um corpo ser físico e o outro corpo (o da ressurreição) não ser físico, mas sim com um corpo ser inclinado para o pecado (em função da nossa natureza pecaminosa), e o outro corpo ser inclinado apenas e exclusivamente ao Espírito. Em outras palavras, enquanto o primeiro corpo (este que temos hoje) tem inclinações pecaminosas, o corpo da ressurreição será inteiramente dominado pelo Espírito Santo, de tal forma que não teremos nenhum desejo de pecar, mas seremos completamente espirituais!
O corpo da ressurreição, portanto, é um corpo imperecível (i.e, que não se desgasta com o tempo), glorioso, poderoso e espiritual. Ele é fisicamente imortal e ao mesmo tempo é espiritual, por não ser mais dominado pelas paixões da carne, mas pelo Espírito do Deus vivo. É por isso que Paulo diz, em seguida, que “carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus” (1Co.15:50). Pela expressão “carne e sangue”, ele não estava se referindo ao fato de ser físico ou não ser físico, mas sim ao fato de ser mortal. “Carne e sangue” era uma típica expressão idiomática semítica com este sentido. Quando o sentido pretendido pelo autor não era de “natureza mortal”, mas sim de “natureza física”, o termo utilizado não era “carne e sangue”, mas “carne e ossos” (cf. Gn.3:23; Lc.24:39).
O Dr. William Lane Craig comenta:
“Virtualmente todos os comentaristas reconhecem que a expressão ‘carne e sangue’ é típica idiomática semita, indicando nossa natureza humana fraca. Em outro local, Paulo usa a expressão para significar ‘criaturas mortais’ (Efésios 6:12) ou apenas ‘pessoas’ (Gálatas 1:16). Portanto, a segunda metade do verso entra em paralelo com a primeira: ‘Nem a corrupção herda a incorrupção’. O corpo presente deve ser liberto de sua corruptibilidade, não sua materialidade, a fim de estar pronto para o domínio eterno de Deus”[16]
Outro ponto interessante neste texto é que Paulo não diz que “carne e sangue não podem herdar o reino”, mas sim que “carne e sangue não pode [no singular] herdar o reino”. Embora aparentemente esta seja uma diferença pequena, ela faz toda a diferença, pois mostra que Paulo não estava falando literalmente de um pedaço de carne e literalmente de um sangue correndo pelas veias, mas sim de uma coisa só, ou seja, de uma natureza mortal (mortalidade natural do homem).
Em outras palavras, “carne e sangue” (i.e, um indivíduo mortal) não pode herdar o Reino de Deus, e é por isso que ele precisa primeiro ser tornado imortal (através da ressurreição) para entrar na glória. É por isso que a continuação do mesmo versículo, geralmente ignorada pelos neo-gnósticos, diz: “nem a corrupção pode herdar a incorrupção” (v.50). Dito em termos simples, o corpo é tornado imortal e incorruptível por Deus na ressurreição, e então, nesta forma glorificada, herda o reino de Deus.
Este é o sentido simples, lógico e exegético do texto, razão pela qual sempre foi interpretado desta forma ao longo dos séculos, desde os primeiros cristãos até os dias de hoje. É claro que nem todas as evidências do mundo serão suficientes para convencer alguém que já está decidido a não crer, mas pelo menos o que foi resumidamente aqui exposto é o bastante para elucidar a questão para aqueles que a analisarem de mente aberta.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli.
[1] Policarpo aos Filipenses, 7:1.
[2] Diálogo com Trifão, 80.
[3] Inácio aos Erminiotas, 3:1-3.
[4] Inácio aos Erminiotas, 2:1.
[5] 1ª Clemente 26:3.
[6] Preservado em História Eclesiástica, Livro III, 39:12-14
[7] Para confirmar este ensino bíblico, acesse: http://desvendandoalenda.blogspot.com.br/2013/08/onde-passaremos-eternidade-no-ceu-ou-na.html
[8] Petição em Favor dos Cristãos, 36.
[9] Primeiro Livro a Autólico, 7.
[10] Discurso contra os Gregos, 15.
[11] Flávio Josefo, História dos Hebreus, Livro VIII, 2.
[12] Poderá Viver para Sempre no Paraíso na Terra, pág. 144; Despertai!, 22 de dezembro de 1984, p. 20.
[13] Tome isso apenas como uma concessão para o bem do argumento (obviamente eu não creio que nós literalmente voaremos na eternidade!).
[14] William Lane Craig, Corpo de Jesus. Disponível em: http://www.reasonablefaith.org/portuguese/Corpo-de-Jesus
[15] ibid.
[16] ibid.
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