COMO ENTENDER A PREDESTINAÇÃO?

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Embora Calvino tenha dito que “não pode ser possível que os inimigos da predestinação de Deus não vejam uma coisa tão clara e evidente, a não ser que o diabo tenha arrancado seus olhos e eles tenham se tornado vazios de toda razão”[1], o fato é que o termo “predestinação” e suas variantes ocorrem apenas quatro vezes na Bíblia.

 

Duas aparecem na carta de Paulo aos romanos (Rm.8:29,30) e duas aos efésios (Ef.1:5,11). Como Vance observa, “o calvinista enfia suas doutrinas da eleição e predestinação em todo texto bíblico imaginável”[2]. Eles simplesmente superestimam a predestinação, como se fosse uma doutrina bíblica central ou importante[3].

 

Mas, ainda que a predestinação aparecesse em apenas um único texto bíblico, isso não mudaria o fato de que ela é bíblica. E, se ela é bíblica, precisamos entender o que ela significa, ao invés de simplesmente a ignorarmos. Antes de adentrarmos nos textos bíblicos e na visão arminiana da predestinação, será importante conferirmos o que os calvinistas entendem pelo termo, começando pelo próprio João Calvino.

 

 

• Predestinação em Calvino

 

Enquanto Lutero cria em uma predestinação única para a salvação, Calvino era enfático em assinalar que existem duas predestinações: uma para o Céu e outra para o inferno. Uns dos capítulos das Institutas chama-se: “Da eterna eleição, pela qual Deus a uns predestinou para a salvação, a outros para a perdição”[4], e outro se chama: “Improcedência da tese de que a realidade da eleição não implica a realidade da reprovação”[5].

 

Contra aqueles que criam numa predestinação única, Calvino fez questão de reiterar que a predestinação é dupla e que aqueles que creem na predestinação única cometem um “notável desvario”:

 

“De fato muitos, como se quisessem impedir que Deus seja acusado de tão odiosa discriminação, então admitem a eleição, mas de maneira que negam que alguém seja reprovado. Mas nisto se enganam mui inepta e infantilmente, quando a própria eleição não pode ser mantida, a não ser que seja confrontada com a reprovação. Diz-se que ele separa àqueles a quem adota para a salvação; seria, pois, um notável desvario afirmar que os outros alcançam casualmente, ou adquirem por sua própria indústria o que a eleição dá a poucos. Portanto, aqueles a quem Deus pretere os reprova; não por outra causa, mas porque os quer excluir da herança para a qual predestina a seus filhos”[6]

 

Sobre essas “duas predestinações”, Calvino disse:

 

“Da mesma forma que o Senhor, com a virtude e eficiência de sua vocação, guia os eleitos à salvação, à qual os destinara por seu eterno conselho, assim também ele tem seus juízos contra os réprobos, com os quais executa seu desígnio em relação a eles”[7]

 

Ele também declarou:

 

“Chamamos predestinação ao eterno decreto de Deus pelo qual Ele determinou consigo mesmo aquilo que Ele quis que ocorresse a cada homem. Porque não fomos criados em condições iguais; certamente, a vida eterna é preordenada para alguns, e a perdição eterna para outros. Portanto, como todos foram criados para um ou outro destes fins, falamos deles como predestinados para a vida ou para a morte”[8]

 

Então, o que Deus faz com os não-predestinados? Os amaldiçoa:

 

“O evangelho é pregado a um grande número, que não obstante, são réprobos. Sim, e Deus tem revelado e demonstrado que Ele os amaldiçoou, porque eles não têm parte nem porção em Seu reino”[9]

 

Para Calvino, Deus priva a luz aos reprovados, o que significa que eles nunca terão sequer uma oportunidade de salvação.

 

“Portanto, o soberano Juiz dispõe sua predestinação quando, privando da comunicação de sua luz a quem reprovou, os deixa em trevas”[10]

 

Ele explicitamente disse que “Deus não adota à esperança a salvação a todos indiscriminadamente; ao contrário, ele dá a uns o que nega a outros”[11]. É por isso que ele via os não-eleitos como nada mais senão “instrumentos da ira de Deus”, onde Deus “despoja” a sua ira. E, para que isto ocorra, ele os impede de ouvir a palavra, os cega e os endurece:

 

“Portanto, aqueles a quem criou para vileza de vida e ruína de morte, a fim de que venham a ser instrumentos de sua ira e exemplos de sua severidade, para que atinjam a seu fim, ora os priva da faculdade de ouvir sua palavra, ora mais os cega e os endurece por meio de sua pregação”[12]

 

Em outras palavras, Deus tanto não deseja que eles sejam salvos que faz de tudo para que isso não ocorra. Calvino rejeita a “questão assaz intrincada, como parece a muitos, que pensam não ser de modo algum coerente que da multidão comum dos homens uns sejam predestinados à salvação, outros à perdição”[13]. Para ele, Deus quer que o ímpio se perca:

 

“Portanto, estamos afirmando o que a Escritura mostra claramente: que designou de uma vez para sempre, em seu eterno e imutável desígnio, àqueles que ele quer que se salvem, e também àqueles que quer que se percam[14]

 

Que Calvino cria que Deus quer que os ímpios se percam, isso fica ainda mais nítido quando o vemos dizendo que “aqueles a quem Deus pretere os reprova; não por outra causa, mas porque os quer excluir da herança para a qual predestina a seus filhos”[15].

 

Até mesmo os infantes são lançados sem remédio à morte eterna por causa do decreto:

 

“De novo, pergunto: Donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos infantes, a queda de Adão lançasse, sem remédio, à morte eterna, a não ser porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas línguas emudeçam, de outro modo tão loquazes. Certamente confesso ser esse um decretum horribile. Entretanto, ninguém poderá negar que Deus já sabia qual fim o homem haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemão porque assim ordenara por seu decreto”[16]

 

Charles Wesley, o irmão mais novo de John Wesley, compôs um hino sobre o decretum horribile de Calvino, onde diz:

 

“Ó Decreto Horrível,

Digno do lugar de onde veio!

Perdoe a blasfêmia infernal

Que lançam sobre o Cordeiro!

Deus, sempre clemente e justo,

Encheu o Inferno de bebês recém-nascidos;

Para tormentos eternos os empurra para baixo;

Somente para mostrar Sua vontade soberana.

Este é aquele Decreto Horrível!

Esta é aquela sabedoria de baixo!

Deus (Ó, abomine a Blasfêmia!)

Tem prazer na morte do pecador”[17]

 

Essa visão de Calvino iria se refletir na Confissão de Fé de Westminster, no Sínodo de Dort e em calvinistas posteriores, o que analisaremos adiante.

 

 

• A predestinação em calvinistas posteriores

 

O mesmo pensamento presente em Calvino permaneceu nos séculos posterires. Começando pelo Sínodo de Dort, que diz:

 

“De acordo com este decreto, ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, ele deixa os não eleitos em sua própria maldade e dureza de coração. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre homens que estão sob a mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus”[18]

 

A “dupla predestinação” de Calvino também está presente na Confissão de Fé de Westminster, que diz:

 

“Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna”[19]

 

E também:

 

“Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído”[20]

 

Loraine Boettner também rejeitava aqueles que criam em uma predestinação única. Ele disse:

 

“Aqueles que sustentam a doutrina da eleição mas negam a da reprovação podem reivindicar pouca consistência. Afirmar a primeira e negar a segunda torna o decreto da predestinação um decreto ilógico e assimétrico”[21]

 

Ele também afirmou:

 

“A fé reformada tem defendido a existência de um decreto divino eterno que, anterior a qualquer diferença ou deserção nos próprios homens, separa a raça humana em duas porções e ordena uma para a vida eterna e outra para a morte eterna”[22]

 

Homer Hoeksema foi além e disse que a doutrina da eleição e da reprovação ficam em pé ou caem juntas:

 

“A verdade da eleição e da reprovação ficam em pé ou caem juntas. Negar a eleição é negar a reprovação. Negar a reprovação é negar a eleição. Crer na eleição é crer na reprovação. Crer na reprovação é crer na eleição”[23]

 

R. C. Sproul também dedicou partes de seu livro para rejeitar a “predestinação única”. Ele disse que “Deus escolheu alguns para a eleição e outros para a reprovação”[24], e que “desde toda a eternidade, sem nenhuma visão prévia de nosso comportamento humano, Deus escolheu alguns para a eleição e outros para a reprovação. O destino final do indivíduo é decidido por Deus antes mesmo que o indivíduo tenha nascido e sem depender, em última análise, da escolha humana”[25].

 

Há também alguns textos bíblicos que tornam difícil que algum calvinista negue que haja uma dupla predestinação. A primeira se encontra em Romanos 9:13, que diz que Deus amou Jacó, mas rejeitou Esaú. Os calvinistas creem que Deus estava tratando ali de indivíduos em relação à salvação, e, portanto, não podem escapar ao fato de que existe, então, uma predestinação à perdição também. Sproul também menciona isso:

 

“Se é que realmente existe uma coisa tal como a predestinação, e se essa predestinação não inclui todas as pessoas, então não podemos escapar da necessária influência de que há dois lados para a predestinação. Não é suficiente falar sobre Jacó; precisamos também considerar Esaú”[26]

 

Outra passagem é a de 1ª Pedro 2:8, que diz que “os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1Pe.2:8). Mais uma vez, se essa perdição é individual e incondicional, então tem que existir um decreto para o inferno. Deus não é alguém que apenas salva pessoas; ao contrário, ele salva algumas e afunda outras; arrebata a vontade de algumas e suprime a vontade de outras; força alguns a serem salvos e impede que outros tenham sequer qualquer oportunidade de salvação. É um Deus, é claro, totalmente parcial e arbitrário, que faz acepção de pessoas o tempo todo.

 

Foi pensando neste Deus calvinista que um antigo hino batista foi composto, dizendo:

 

“Somos os poucos eleitos de Deus,

Que o restante seja condenado;

Há espaço suficiente no inferno para vocês,

Não queremos ter o céu abarrotado!”[27]

 

Em uma ótica calvinista, não há nada de errado com um hino destes. De fato, se nem Deus quer que os não-eleitos sejam salvos, por que nós deveríamos desejar isso? Se Deus não se preocupa com eles e lhes deseja o mal, por que nós deveríamos desejar-lhes o Céu? Não seria realmente mais coerente, numa ótica calvinista, mandar todos os não-eleitos para o inferno de uma vez?

 

 

• Os problemas da eleição incondicional

 

Há certamente tantos defeitos na visão calvinista da predestinação quanto há no determinismo – principalmente porque muitas dessas falhas procedem da falsa visão determinista que já foi refutada. Um dos principais problemas, e que qualquer leitor minimamente instruído nas Escrituras já deve ter sido capaz de ter percebido facilmente, é que, enquanto Calvino cria que Deus quer que o ímpio se perca, a Bíblia diz que Deus não quer que ele se perca:

 

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Então temos um contraste aqui. De um lado, a Bíblia, inerrante e inspirada pelo Espírito Santo, dizendo que Deus não deseja a morte do ímpio, que a morte de um réprobo não lhe agrada, que Deus não quer a morte dele, que ele quer que todos cheguem ao arrependimento, que não deseja que ninguém pereça e que deseja que todos os homens sejam salvos. Do outro lado, temos João Calvino, que diz que Deus quer que os não-eleitos se percam, que a única causa pela qual Deus os reprova é porque quer exclui-los da herança e que Deus lança os infantes à morte eterna porque isso lhe pareceu bem.

 

O problema de muitos calvinistas é que eles leem muitas Institutas e poucas Escrituras. A Bíblia diz uma coisa, Calvino diz outra completamente oposta e eles preferem crer em Calvino. De fato, em Calvino não vemos em nenhum momento a afirmação de que Deus deseja a salvação de todos, ao contrário da Bíblia. Uma afirmação deste teor bateria de frente com uma doutrina que ensina que a eleição é individual, incondicional e estabelecida por um decreto antes da fundação do mundo.

 

Se Deus traçou o destino de Bruno antes que ele nascesse, sem qualquer relação com a presciência de atos futuros, simplesmente decidindo arbitrariamente de antemão que ele cometeria tantos pecados e que por fim terminaria no inferno, não há absolutamente nada que Bruno possa fazer para reverter isso. Em outras palavras, Bruno não tem nem a mínima chance ou oportunidade de salvação. Então, em um cenário destes, como Deus poderia dizer que deseja que Bruno seja salvo? Essa seria a maior das incoerências do nosso mundo.

 

Se a salvação depende única e exclusivamente de Deus, então por que Deus não salva Bruno, se a Bíblia diz que ele não deseja que Bruno pereça e que deseja que todos sejam salvos, o que inclui o próprio Bruno? Ele deseja aquilo que ele determinou em contrário? Se Deus era absolutamente livre para decretar o que quisesse, por que ele não decretou o que deseja (que Bruno fosse salvo), e sim o que não deseja (que Bruno não fosse salvo)? Que deus bipolar e estranho é esse, que é livre para decretar o que quiser e faz questão de decretar aquilo que não quer e não aquilo que quer?

 

E como Deus poderia desejar algo diferente do que ele decretou em relação a Bruno? Se Bruno já estava predeterminado à morte eterna, como Deus poderia desejar a salvação dele, se ele não poderia ser salvo de jeito nenhum e nem tinha a mínima chance disso? Deus deseja a salvação de Bruno, mas não lhe oferece nem ao menos a oportunidade de uma? Jesus deseja que Bruno seja salvo, mas não morreu por ele (expiação limitada) para que ele tivesse uma chance? Que deus é esse? Certamente não é o das Escrituras! Ninguém melhor que João Wesley expressou isso, quando disse:

 

“Isso destrói todas as suas atribuições de uma vez. Isso destrói justiça, misericórdia e verdade; sim, ela representa o mais santo Deus, como pior do que o diabo, e tanto mais falso, mais cruel e mais injusto. Mais falso; porque o diabo, mentiroso como ele é, nunca disse. ‘Ele desejou que todo homem fosse salvo’. Mais injusto; porque o diabo não pode, se ele pudesse, ser culpado dessa injustiça como você designa a Deus, quando você diz que Deus condenou milhões de almas ao fogo eterno, preparado pelo diabo e seus anjos, para continuarem no pecado, o qual, por vontade dessa graça, não será dada a eles; eles não podem evitar: E mais cruel; porque esse infeliz espírito ‘procurou descanso e encontrou nenhum’; de forma que sua própria miséria inquietante é uma forma de tentação para ele persuadir outros”[28]

 

Ele também disse:

 

“Suponha que ele [Deus] os envie [os réprobos] para o fogo eterno em razão de não terem se livrado do pecado! Ou seja, em termos diretos, por não terem recebido a graça que Deus decretou que eles jamais teriam! Ah, justiça estranha! Que imagem vocês fazem do Juiz de toda a terra!”[29]

 

Até mesmo o famoso rei Tiago, a quem foi dedicada a versão “King James”[30], criticou duramente essa decisão do Sínodo de Dort, dizendo:

 

“Esta doutrina é tão horrível, que eu estou persuadido que, se houvesse um concílio de espíritos imundos reunidos no inferno, e seu príncipe o diabo fosse colocar a questão a todos eles em geral, ou a cada um em particular, para aprender sua opinião sobre o meio mais provável de incitar o ódio dos homens contra Deus seu Criador; nada poderia ser inventado por eles que seria mais eficaz para este propósito, ou que poderia colocar uma afronta maior sobre o amor de Deus pela humanidade, do que esse infame decreto do recente Sínodo, e a decisão dessa detestável fórmula, pela qual a imensa maioria da raça humana é condenada ao inferno por nenhuma outra razão senão a mera vontade de Deus, sem qualquer consideração pelo pecado; a necessidade de pecar, assim como a de ser condenado, estando fixado sobre eles por esse grande prego do decreto previamente mencionado”[31]

 

Além do problema da Bíblia, outro problema da predestinação incondicional é que, nela, a eleição é puramente arbitrária, o que deve ser reconhecido por qualquer calvinista minimamente sincero. Se Deus não previu futuras ações humanas nem determinou nada em função delas, mas decidiu tudo de antemão sem levar em conta nenhuma ação prévia de nenhum indivíduo, então ficamos com a triste conclusão de Deus, em sua soberania, definiu os escolhidos na base do “uni duni duni tê – o escolhido foi você”.

 

Então, tudo vira uma questão de sorte ou falta de sorte. Se tivermos muita sorte de estarmos no grupo daqueles que Deus decidiu escolher antes da fundação do mundo, seremos salvos. Mas, se tivermos azar e Deus não tiver escolhido o nosso nome em sua eleição arbitrária, então hasta la vista, baby. É tudo uma questão de sorte ou azar. Se você prega o evangelho a um descrente, não importa em nada como você irá pregar, importa se aquele descrente foi escolhido ou não.

 

Também não importam suas orações para a salvação de um familiar seu ainda não-convertido – é melhor simplesmente torcer que ele tenha sido selecionado nesse uni duni duni tê antes da fundação do mundo. As chances de você ser um eleito são como as chances de você ganhar no bingo, visto que Deus elegeu muito mais gente para o inferno do que para o Céu, porque ele quis. Não depende em nada da pessoa, de suas atitudes, da sua busca, do arrependimento ou da fé. Tudo isso seriam instrumentos secundários, que só entrariam em ação caso a sorte de ser um eleito a precedesse.

 

Deus escolhe João mas não escolhe Pedro, somente porque ele quis que João fosse salvo e Pedro fosse pro inferno. Simples assim. A loteria do Céu definiu tudo de antemão e nessa vida estamos apenas cumprindo o nosso destino já traçado para nós. Esse deus calvinista faz claramente acepção de pessoas, muito mais do que qualquer ser humano nesta terra. Quando o carcereiro perguntou a Paulo e Silas o que deveria fazer para ser salvo (At.16:30,31), estes deveriam ter respondido que, se ele for um eleito, poderá crer no Senhor Jesus e será salvo, mas, se não for...

 

É como Laurence Vance comentou:

 

“Esta é a diferença entre a Bíblia e o calvinismo. Na Bíblia o pecador crê e ele é salvo; no calvinismo o pecador tem esperança de ser um dos ‘eleitos’ e então espera por Deus para salvá-lo caso ele seja um ‘eleito’”[32]

 

Alguém pode perguntar: E daí? E se Deus decidiu fazer tudo assim mesmo? Ele não é soberano?

 

Logicamente, Deus é soberano. Mas ele não age contra os seus próprios atributos, nem põe um atributo contra outro atributo. Um dos atributos de Deus é o amor, e esse amor é universal, que implicaria, ao menos, em oferecer possibilidade de salvação a todos. De fato, não havia nada no homem (nenhum mérito) para que Deus tivesse que salvá-lo, mas havia algo em Deus que o levou a oferecer salvação a todos – seu eterno amor. E este amor não é limitado a alguns, mas é ilimitado e universal. Seu amor se revela para com todas as suas criaturas. “Deus é bom para com todos” (Sl.145:9), e “amou o mundo de tal maneira” (Jo.3:16). A continuação deste versículo todos nós já conhecemos – uma expiação ilimitada para um amor ilimitado.

 

Uma consequencia deste amor por todos é a imparcialidade. Nenhum filho gostaria de pensar que sua mãe ama mais seu irmão do que ele. Isso é parcialidade. Muito menos algum filho gostaria que seu pai, tendo dois salva-vidas em mãos e podendo salvar ambos os filhos que estão morrendo afogados em alto mar, jogasse um para um filho e ignorasse o outro, deixando-o morrer. Um pai desses seria um monstro de terrível crueldade porque lhe faltaria algo básico que chamamos de amor, e lhe sobraria algo chamado favoritismo ou parcialidade, que é a acepção de pessoas.

 

Há alguns meses atrás eu elaborei certa ilustração que foi lançada em um grupo calvinista. Essa ilustração era a seguinte:

 

“Se você dirigisse um navio e quatro tripulantes irresponsáveis caíssem ao mar por culpa deles mesmos, o que você faria se pudesse oferecer salvamento a todos? Deixaria todos no mar se afogando até a morte, tentaria salvar a uns e a outros não, ou ofereceria salvação a todos? Lembre-se de que você pode salvar todos se você quiser (você não está limitado ao tempo ou a algum outro fator para que só possa salvar alguns)”

 

Como o esperado, recebi várias respostas diferentes, mas quase ninguém disse que “salvaria apenas alguns”. As respostas variavam, e algumas delas foram: “eu, como homem, salvaria a todos, mas Deus salva quem Ele quiser, quem discute com Ele?”. Outro disse que “como homem eu salvaria a todos, óbvio”, mas complementou: “só que a salvação narrada na Bíblia é outra, é dura, um mistério, mas temos que aceitá-la sem murmuração”.

 

O mais interessante é que eles reconhecem que existe uma lei moral de consciência que diz que o amor consiste em oferecer salvação a todos, e não em escolher apenas alguns arbitrariamente. Mas o calvinista para neste ponto. Ele não desenvolve este argumento e dá um próximo passo, inferindo que esta consciência moral nos tenha sido dada por Deus e que reflete o caráter dele próprio (Rm.2:14,15), e que, portanto, a atitude de Deus é um reflexo desde senso de amor, e não o contrário.

 

Em outras palavras, se a nossa consciência moral nos diz que o ato de amor consiste em oferecer salvação a todos, é porque o próprio Deus faria isso em nosso lugar – ele não seria arbitrário. Calvinistas abrem mão de uma visão moral para aderirem algo que eles creem que é “bíblico”, ainda que também seja contrário à Bíblia. Mas, se a nossa visão de moralidade não reflete o caráter do próprio Deus, então o que reflete? Como saberemos o que é certo e errado, se Deus não colocou em nossa consciência um padrão moral a ser seguido? E como este padrão moral implantado por Deus pode ser contrário ao próprio Deus?

 

A única conclusão que podemos chegar é que os calvinistas querem ser melhores que Deus ao dizerem que decidiriam salvar a todos, quando o próprio Deus, o Autor da lei moral, não faz isso. No mínimo, é um reconhecimento de que a visão de “amor” que conhecemos implica necessariamente em oferecer oportunidade a todos. Negar isso é cair novamente no erro do fideismo, onde Deus é bom contra toda a noção de bondade conhecida pela humanidade ou revelada na Escritura – erro este que já foi refutado.

 

Outro calvinista, tentando sustentar o insustentável, fez uma analogia com o Titanic e disse:

 

“Se você assistiu ao filme Titanic deve ter notado que o comandante do navio salvou algumas pessoas e deixou outras morrer. Por que ele fez isso? Ele, como comandante, tinha o poder de decidir quem deveria viver e quem deveria perecer. Escolha dele como comandante, que nunca foi contestada. Não havia botes suficientes para todos, e ele teve de escolher entre salvar alguns e mandar outros para a morte. Ele, como comandante, fez a escolha. Millvina Dean, a última sobrevivente do naufrágio, falecida em 2009, tinha apenas 9 semanas de vida quando foi escolhida para escapar da morte. Viveu até aos 97 anos de idade”

 

Onde essa analogia falha? Ela falha em desconsiderar que o comandante do Titanic não salvou a todos por falta de botes – algo que não falta para Deus, que é totalmente livre para agir da forma que quiser, inclusive em oferecer salvação a todos, caso ele assim desejasse. Se o comandante do Titanic tivesse botes suficientes para todos e mesmo assim decidisse salvar apenas alguns e jogar os outros em alto mar, ele com certeza seria reconhecido como um monstro da pior crueldade.

 

Em uma outra ocasião, certo calvinista tentou reverter a situação com uma analogia “anti-arminiana”, onde diz:

 

“Se eu tivesse um filho pequeno e morasse no 28° andar de um prédio, e se esse filho quisesse pular da janela, eu, por total amor a meu filho, não deixaria, obrigaria ele a não pular, o agarrava de qualquer forma, mesmo essa sendo contra a vontade dele. Vocês como pais optariam por deixar o filho escolher o que quisesse, afinal na ‘escolha’ é onde reside o amor”

 

Um arminiano logo corrigiu o calvinista, dizendo:

 

“Analogia completamente inválida. Para que fizesse jus às asseverações calvinistas sua analogia precisaria ser da seguinte forma: há um pai com dois filhos e ambos desejam pular do 28º oitavo andar; a um deles o pai convence de não pular, ao outro ele simplesmente nada faz e esse pula da janela. Que amor é esse?”

 

Outro arminiano complementou:

 

“Só ratificando: o segundo filho ele determina que pule”

 

De fato, não há analogias que justifiquem o injustificável. O calvinismo nunca vai se livrar da acusação de arbitrariedade e de fazer acepção de pessoas, que é algo que vai à contramão do atributo do amor e que também é totalmente repudiável biblicamente. Paulo disse que “em Deus não há parcialidade”[33] (Rm.2:11), o que é traduzido por outra versão: “para com Deus, não há acepção de pessoas”[34].

 

Os calvinistas tem se esforçado inutilmente em provar que Deus faz acepção de pessoas, quando a Bíblia diz tão claramente o contrário. Alguns têm até sugerido que essa acepção não é em relação às pessoas em si, mas com os tipos de pessoas, em relação aos lugares onde vivem, como se o texto estivesse apenas dizendo que Deus não faz acepção entre brasileiros e asiáticos, entre brancos e negros, e não entre pessoa e pessoa, pervertendo descaradamente o texto bíblico.

 

Para os calvinistas, o texto diz que em Deus parcialidade entre pessoas, mas não entre nacionalidades e raças; para a Bíblia, em Deus não há parcialidade em sentido nenhum, pois o texto simplesmente não abre nenhuma exceção, muito menos onde seria o mais importante – nas próprias pessoas! E para derrubar de uma vez por todas este falso conceito calvinista acerca da parcialidade divina, Pedro diz:

 

“Então Pedro começou a falar: ‘Agora percebo verdadeiramente que Deus não trata as pessoas com parcialidade, mas de todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o que é justo’” (Atos 10:34-35)

 

Notem que Pedro não afirma que a imparcialidade é apenas na questão das nações, mas vai além e não se detém nas nações, mas também nas próprias pessoas das nações! Em outras palavras, a imparcialidade de Deus é completa; ela envolve tanto as nacionalidades quanto os próprios indivíduos de cada nacionalidade. Alegar que a imparcialidade de Deus envolve apenas as nações e não os próprios indivíduos é dizer que Deus faz acepção de pessoas e não de nações; que em Deus há parcialidade em indivíduos e não há parcialidade em nacionalidades, tornando Deus ao mesmo tempo parcial e imparcial.

 

Outro problema da eleição incondicional é que, como diz Olson, “se Deus salva incondicional e irresistivelmente, por que não salva a todos?”[35] Essa questão tem deixado calvinistas perplexos e sem respostas até hoje. Sproul, por exemplo, quando teve que lidar com essa questão, admitiu:

 

“A única resposta que eu posso dar a esta pergunta é que eu não sei. Não tenho ideia por que Deus salva alguns e não todos. Não duvido por um momento que Deus tenha o poder de salvar todos, mas eu sei que Ele não escolhe salvar todos. Realmente não sei por quê”[36]

 

Como Olson observa, "somente um monstro moral recusaria salvar pessoas quando a salvação é absolutamente incondicional e unicamente um ato de Deus que não depende do livre-arbítrio"[37], e “o calvinismo dificulta traçar uma diferença entre Deus e o diabo, exceto no sentido de que o diabo quer que todos vão para o inferno e Deus quer que alguns vão para o inferno”[38]. Apelar para o “mistério” não soluciona muito a questão, pois Deus continua sendo arbitrário, parcial e com um amor limitado do mesmo jeito. É como Olson diz:

 

“A questão não é equidade, mas bondade e amor. Apelar para a ignorância não resolve nada; o caráter de Deus ainda fica denegrido, pois seja lá qual for a razão para tal, ela não tem nada a ver com a bondade ou maldade das escolhas livres. A única alternativa é a arbitrariedade divina”[39]

 

O calvinismo limita tanto o amor de Deus ao ponto de um de seus principais e mais famosos defensores, John Owen, ter dito: “Deus, tendo ‘feito alguns para o dia do mal (...) odiou-os antes que fossem nascidos’ (...) e ‘ordenou-os de antemão para a condenação’”[40]. Então, o Deus calvinista odeia os não-eleitos antes mesmo de nascerem e de cometerem qualquer pecado – pecados que, por sinal, foram predeterminados pelo próprio Deus.

 

A conclusão que podemos chegar é que você só é realmente amado por Deus se tiver a sorte de ter ganhado na loteria celestial – que eles entendem por eleição. Se você não teve essa sorte, então Deus te amaldiçoará e te odiará, além de predestinar inúmeros pecados que você não poderá deixar de cometer e por fim irá ao inferno, sem ter tido em vida uma única oportunidade real de salvação. Para ser mais claro, você é um pobre desgraçado miserável e azarado, se não foi um eleito. E ser “eleito” é uma mera questão de sorte e arbitrariedade.

 

No fim das contas, o calvinista é obrigado a chamar de “bom” um decreto divino que o próprio senso comum repudia. Richard Watson comentou:

 

“É a maior das ofensas brincar com o senso comum da humanidade, chamando de bom em Deus aquilo que, se realizado por um juiz humano, seria condenado por todos os homens como um ato monstruoso de tirania e opressão, a saber, punir com a morte, em razão de uma ofensa pessoal, aqueles que nunca poderiam desejar ou agir de maneira contrária”[41]

 

Olson também diz:

 

“Podemos defender que o Deus calvinista que predestina incondicionalmente algumas pessoas para o inferno (ainda que unicamente por decretar ignorá-las na eleição), não é um Deus de amor, mas um ser supremo arbitrário e excêntrico que se preocupa apenas em exibir sua glória – mesmo à custa de destruição eterna de almas que ele criou”[42]

 

No fundo, os próprios calvinistas sabem que a visão arminiana da eleição e predestinação é mais justa e condizente com os atributos divinos, embora poucos reconheçam isso. Sproul é um dos poucos corajosos que confessou:

 

“Neste entendimento [arminiano], tanto o decreto eterno de Deus quanto a escolha livre do homem são deixados intactos. Nesta visão não há nada arbitrário a respeito das decisões de Deus. Não se fala aqui de sermos reduzidos a marionetes ou de termos nosso livre-arbítrio violado. Deus é claramente absolvido de qualquer indicação de erro (...) Há muito para recomendar nesta visão da predestinação. É bastante satisfatória e tem os benefícios mencionados acima”[43]

 

Mas, embora a visão arminiana da predestinação seja mais justa, mais imparcial, mais moral, que ressalta mais o amor de Deus e que o livra de qualquer indicação de erro, os calvinistas insistem: a visão calvinista é a bíblica. Então, quando mais uma vez a razão e a moralidade são postas lado a lado com a Bíblia, eles preferem ficar com a Bíblia.

 

Mas será mesmo que a visão calvinista é a visão bíblica? Se não for, então temos uma visão (arminiana) que não apenas é compatível com a Bíblia, mas também com a razão e a moral. Teremos uma visão que é totalmente compatível em todos os sentidos, que liga todas as peças do quebra-cabeça, que une a Bíblia e a razão, e não que coloque uma contra a outra e deixe o dilema para o povo decidir a quem seguir.

 

Em outras palavras, se refutarmos também a visão calvinista da predestinação à luz da Bíblia, não sobrará nenhuma fonte de apoio para eles, que já são derrotados pela lógica. Para isso, começaremos expondo a visão arminiana da predestinação, que se contrapõe a esta visão calvinista que vimos, e por fim analisaremos os textos mais utilizados por eles na defesa daquilo que eles creem como sendo a predestinação, em especial Romanos 9 em todo o seu contexto. 

 

 

• Apresentando a eleição corporativa

 

A visão arminiana da predestinação é uma visão corporativa. Ao invés de Deus selecionar uma pessoa na eternidade e escolhê-la para a salvação, Deus decide que um grupo, a Igreja, será salvo. Por “Igreja” (ekklesia)compreende-se a “totalidade dos cristãos dispersos por todo o mundo”[44]. Deus decidiu de antemão que aqueles que fizessem parte do Corpo de Cristo estariam predestinados à salvação, mas ele não escolheu individualmente quem faria parte deste Corpo. Em outras palavras, todos tem oportunidade de salvação e podem optar livremente por fazerem parte do Corpo ou não, e aqueles que decidem fazer parte do Corpo estão predestinados à salvação.

 

Assim sendo, a eleição é corporativa, e não individual. Uma pessoa pode ser considerada “eleita” somente se ela estiver em Cristo, na Igreja, como parte do Corpo de Cristo. Isso explica o porquê que sempre a palavra “predestinação” aparece na Bíblia no plural, em todas as quatro ocorrências do termo:

 

“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou” (Romanos 8:29,30)

 

“E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade (...) Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:5,11)

 

Portanto, um grupo (Israel no AT e a Igreja no NT) é eleito e predestinado. Assim sendo, todas as pessoas que morrem em Cristo tem a garantia da salvação, e todas as pessoas que estão hoje em Cristo tem a garantia de serem salvas se permanecerem nEle. O inverso também é verdadeiro. Aqueles que não estão em Cristo estão predestinados à morte eterna, se não se arrependerem de seus pecados. Deus não predestina individualmente quem vai crer e quem não vai crer, mas determina que aqueles que decidem crer estão predestinados à salvação, e que aqueles que decidem não crer estão predestinados à perdição.

 

É assim que podemos entender o texto de Pedro, que diz que “os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1Pe.2:8). Não é que Deus tenha predestinado uma pessoa individualmente à perdição, mas que todas as pessoas que desobedecem à mensagem estão destinadas a este fim, caso não se arrependam. É este o conceito bíblico simples e lógico da predestinação.

 

Uma analogia que pode elucidar a questão é a de um navio em alto mar que está predestinado a alcançar o outro lado, um local chamado Paraíso. Este navio se chama Igreja e seu comandante se chama Jesus. Todos aqueles que decidirem entrar neste navio estão predestinados a chegar a este Paraíso, porque o navio está designado a este lugar. Não há nada que possa impedir que este navio alcance o seu objetivo. Não há nada que possa afundar este navio.

 

Mas isso não significa que o comandante tenha também predestinado individualmente quem estaria no navio, nem significa que alguém que hoje está fora do navio não possa entrar nele, ou que alguém que hoje está nele não possa se jogar do navio e perecer em alto mar. Enquanto estamos em Cristo, sabemos que somos predestinados, porque Cristo foi predestinado e nós somos predestinados nEle. Nós somos eleitos no Filho. Mas Deus não escolheu individualmente quem estaria no Corpo e quem não estaria – o que o tornaria arbitrário e injusto.

 

Uma das provas mais fortes de que Paulo não cria em uma eleição individual, onde Deus escolhe a dedo quem seria salvo e quem não seria, é que o apóstolo, embora se incluísse no grupo dos predestinados pelo pronome nós, em momento nenhum assegurou que já estava salvo – o que ocorreria no caso de ele já ter garantida a sua salvação em função de ele ser um “eleito”. Ao contrário, vemos Paulo dizendo que, embora a sua consciência em nada o acusasse, nem por isso já se considerava justificado:

 

“Embora em nada minha consciência me acuse, nem por isso justifico a mim mesmo; o Senhor é quem me julga” (1ª Coríntios 4:4)

 

Ele também trabalhava com a hipótese de poder ser reprovado no futuro, depois de ter pregado o evangelho a muitos:

 

“Sendo assim, não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem esmurra o ar. Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado (1ª Coríntios 10:26-27)

 

Ele ainda dizia que não havia alcançado o alvo:

 

“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3:13-14)

 

Então, embora Paulo se incluísse entre os eleitos (porque ele era parte do Corpo – estava dentro do navio), ele não se considerava individualmente eleito à salvação, senão jamais iria trabalhar com a possibilidade de reprovação, de não alcançar o alvo ou de não ser justificado. Ele estava predestinado à salvação assim como todos os demais, pelo fato da eleição ser corporativa e ele fazer parte deste Corpo. Mas não há nada que indique que essa predestinação, que é incondicional em relação à Igreja (o navio), seja incondicional também em relação aos cristãos (tripulantes).

 

Em outras palavras, Deus não predestina quem vai estar no navio; Ele predestina aqueles que estão no navio. Ele não aponta para João e diz que ele vai estar no navio e para Pedro dizendo que não vai estar. Ele permite que João e Pedro decidam a quem servir, se entram ou não entram no navio, e predestina o navio ao outro lado, o Paraíso. Desta forma, se João decide entrar e Pedro rejeita o convite do comandante, João estará predestinado ao outro lado porque o navio está predestinado a chegar lá, assim como quando alguém que pega um avião do Brasil ao Japão está destinado a chegar ao Japão, se não voltar atrás ou se lançar pela janela.

 

É por isso que a Bíblia diz para consolidarmos a nossa eleição:

 

“Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais tropeçarão, e assim vocês estarão ricamente providos quando entrarem no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2ª Pedro 1:10,11)

 

Por que temos que “consolidar” a nossa eleição? Porque ela não é “fixa”. A palavra utilizada no grego aqui é bebaios, que significa “estável, fixo, firme”[45]. Se temos que fazer firme a nossa eleição, é porque ela não é algo já fixo, estável ou imutável. É por isso que Pedro diz que, se agirmos assim, jamais tropeçaremos, passando nitidamente a ideia de que, se não consolidarmos nossa eleição, iremos tropeçar e não estaremos no “Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.

 

Portanto, embora o navio (Igreja) estava incondicionalmente predestinado a alcançar o outro lado (a glória), individualmente não há nada decidido. Todos são eleitos enquanto estão no navio, mas nem todos os que hoje estão irão continuar nele amanhã, assim como nem todos os que hoje estão fora irão permanecer do lado de fora, pois o arrependimento é possível a todos (At.17:30). Para entrar neste navio, há uma condição que é crer em Cristo e se arrepender dos pecados cometidos, de onde podemos dizer que, individualmente, essa eleição e a “consolidação” dela é condicional.

 

Embora Calvino reconhecesse que os judeus foram um povo escolhido por Deus[46] e a Igreja também[47], ele cria na predestinação como individual, com Deus escolhendo individualmente quem seria incondicionalmente salvo e quem incondicionalmente se perderia, e dessa eleição individual e arbitrária é que provinha a eleição corporativa, e não o contrário. Enquanto na Bíblia um grupo é eleito à salvação e cada indivíduo pode pessoalmente decidir se entra ou se não entra neste grupo, no calvinismo Deus escolhe quem entra e quem não entra e o destino deste grupo é mera consequencia da eleição individual.

 

Para os arminianos, a verdade de que a predestinação é corporativa é indiscutível. Armínio disse:

 

“O decreto absoluto de Deus é aquele no qual Ele decretou receber em favor os que se arrependem e creem, e, em Cristo, por Seu amor e por intermédio dele, realizar a salvação de tais penitentes e crentes conforme perseveram até o fim; mas deixar em pecado e sob a ira todos os impenitentes e descrentes, e condená-los como desconhecidos de Cristo”[48]

 

A analogia do navio com a eleição corporativa também está presente na Bíblia de Estudo “Life in the Spirit”, que diz:

 

“Concernente à eleição e predestinação, podemos usar a analogia de um grande navio no seu caminho para o céu. O navio (a igreja) é escolhido por Deus para ser sua própria embarcação. Cristo é o Capitão e o Piloto desse navio. Todos os que desejam ser uma parte deste navio eleito e do seu Capitão, pode fazê-lo através de uma fé viva em Cristo, pela qual eles vêm a bordo no navio. Enquanto eles estão no navio, em companhia do Comandante do navio, estão entre os eleitos. Se eles escolherem abandonar o navio e o Capitão, eles deixam de fazer parte dos eleitos. A eleição sempre está em união com o Capitão e o seu navio. A predestinação nos diz sobre o destino do navio e o que Deus tem preparado para aqueles que permanecem nele. Deus convida a todos para entrar a bordo do navio eleito mediante a fé em Jesus Cristo”[49]

 

Philip Limborch resume a crença arminiana da predestinação à salvação e à perdição da seguinte maneira:

 

“A predestinação é aquele decreto pelo qual, antes de todos os mundos, ele decretou que os que cressem em seu filho Jesus Cristo fossem eleitos, adotados como filhos, justificados e, em sua perseverança na fé, fossem glorificados, e, por outro lado, que os descrentes e obstinados fossem reprovados, cegados, endurecidos, e, se continuassem impenitentes, fossem condenados eternamente”[50]

 

Que a eleição corporativa não implica na eleição incondicional de cada indivíduo, Laurence Vance prova ao traçar uma analogia com o povo israelita, que era a nação eleita de Deus, e onde, mesmo assim, muitos se desviaram e apostataram:

 

“Deus chamou Abraão para fazer uma grande nação (Gn 12.1-3). Por sua vez foi transmitido a Isaque (Gn 17.19) e Jacó (Gn 28.3-4). Jacó então desceu ao Egito onde seus filhos se tornaram uma grande nação (Ex 1.7). Depois que Israel foi escravizado, Deus se lembrou de sua aliança com Abraão, Isaque, e Jacó (Ex 2.24-25), declarando: ‘Israel é meu filho, meu primogênito’ (Ex 4.22). Deus escolheu Israel para ser um povo peculiar acima das outras nações (Dt 14.2). Era um caso raro de ‘eleição soberana’, como os calvinistas diriam. Mas a nação de Israel fez o que era mal desde sua juventude (Jr 32.30). Eles se rebelaram contra Deus (Dt 9.7), provocaram a ira de Deus (Dt 9.8), murmuraram (Ex 16.23), e se tornou um povo de dura cerviz (Ex 32.9); levando Deus a matar alguns pelo fogo (Nm 11.1), pela praga (Nm 32.10), e finalmente quase consumindo toda a nação (Ex 32.10). Israel foi comandado a não se contaminar com os costumes das outras nações (Lv 18.24), nem fazer qualquer aliança com eles (Ex 34.12), mas destrui-las completamente (Dt 7.2), demonstrando nenhuma piedade (Dt 7.16). Ao invés, os filhos de Israel ‘andaram segundo os costumes dessas nações’ (2Re 17.8) e fizeram ‘ainda pior do que as nações que o Senhor tinha destruído’ (2Cr 33.9). Deus finalmente os enviou ao cativeiro na Babilônia sob Nabucodonozor (Dn 1.1-2). E ainda que muitos judeus retornaram para sua terra natal sob Esdras e Neemias, eles nunca recuperaram sua proeminência sobre as nações. Quando seu Messias apareceu para livrá-los, eles o crucificaram e declararam: ‘O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos’ (Mt 27.25); por isso: ‘A ira caiu sobre eles afinal’ (1Ts 2.16)”[51]

 

William Klein é outro que discorre largamente sobre a eleição corporativa. Ele disse que “os escritores do Novo Testamento lidam com a eleição salvífica, primeiramente, se não exclusivamente, em termos cooperativos”[52]. Ele afirma também que “Deus escolheu a igreja como um corpo em vez de pessoas em específico que populam o corpo”[53], e que “exercer a fé em Cristo é entrar em seu corpo e tornar um dos ‘escolhidos’”[54]. Ele também declarou:

 

“Assim como Israel tornou-se o povo escolhido de Deus quando Deus escolheu Abraão e Abraão respondeu com fé, assim a igreja encontra sua eleição em unidade com Cristo, ou seja, em sua igreja e, assim, torna-se um eleito”[55]

 

Ainda que de forma discreta, Norman Geisler é outro que parece concordar com a visão da eleição corporativa. Em seu livro sobre eleição e livre-arbítrio, ele diz:

 

“A porta para a verdadeira Igreja está aberta a todos os que querem entrar e ser parte desse grupo especial que experimenta seu amor especial. Porque ‘Deus [...] amou o mundo’ (Jo 3.16) e, assim, querendo que todos se tornem participantes do relacionamento que Cristo tem com sua noiva, ‘o Espírito e a noiva dizem: Vem! E todo aquele que ouvir diga: Vem! Quem tiver sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida’ (Ap 22.17)”[56]

 

O pastor arminiano (não-declarado) Ciro Zibordi também explica a doutrina da eleição corporativa nas seguintes palavras:

 

“Deus elegeu a si um povo chamado Igreja, e não indivíduos, isoladamente. Somos predestinados porque somos parte da Igreja de Deus; não somos parte da Igreja porque fomos antes, individualmente, predestinados. Se, na Igreja, como Corpo de Cristo, alguém individualmente se desvia, e não volta, a eleição da Igreja não se altera. De igual modo foi a eleição de Israel. O Senhor elegeu aquele povo para si; não indivíduos. Tanto é que milhares de israelitas se desviaram, porém a eleição de Israel, como povo, prosseguiu”[57]

 

Ele também afirma:

 

“Eleição é o ato divino pelo qual Deus escolhe ou elege um povo para si, para salvá-lo (2 Ts 2.13). Predestinação é o ato de Deus determinar o futuro desse povo. No Novo Testamento, esse povo é a Igreja, o Corpo de Cristo, do qual – se somos salvos mesmo! – somos parte (Ef 1.22,23)”[58]

 

O autor arminiano Robert Shank resume a divergência entre calvinistas e arminianos neste ponto, dizendo:

 

“No calvinismo, a eleição para a salvação é particular de cada homem incondicionalmente, cada homem completa um grupo corporativo incidentemente. No arminianismo, a eleição é corporativa e compreende homens individuais somente em identificação e associação com o corpo eleito”[59]

 

De forma semelhante, o autor calvinista Manford Kober diz:

 

“O arminiano dirá que o homem é eleito porque ele crê. O calvinista afirma que o homem crê porque ele é um eleito”[60]

 

O filósofo, teólogo e doutor mundialmente reconhecido William Lane Craig concorda com a visão arminiana corporativa da eleição e cita Shank várias vezes em defesa da adoção deste sistema como a crença mais plausível sobre a predestinação. Ele diz:

 

“Se e somente se a pessoa estiver em Cristo, ela está eleita e predestinada, como a passagem ensina. A eleição é essencialmente corporativa, antes que individual. Isto quer dizer que a eleição se dá em um corpo ou em um grupo de entidade corporativa que Deus elegeu. Se e somente se uma pessoa é uma parte deste grupo corporativo ou corpo, esta pessoa compartilha das bênçãos. Uma pessoa está em Cristo, e, portanto, é eleita e predestinada”[61]

 

Ele também traça uma interessante analogia que também nos ajuda a entender como funciona a eleição corporativa:

 

“Seria como dizer que nós teremos um grupo de pessoas que dirão: ‘Vá a uma excursão em Israel com Bryant Wright’. Qualquer um que quiser se inscrever poderá fazê-lo. Mas aqueles que forem na turnê estarão garantidos a visitar o Mar da Galileia, andar nos muros de Jerusalém, visitar o Jardim da Tumba e assim por diante, por isto é o que está planejado. Mas não existe garantia de quem estará no grupo”[62]

 

E ele complementa:

 

“Aqui Deus predestinou ou ordenou que esse grupo será justificado, santificado, glorificado e assim por diante, mas não garante quem estará no grupo. É primeiramente um sentido corporativo, e se torna num sentido individual somente secundariamente em virtude das pessoas adentrando no grupo”[63]

 

Creio que o leitor já deve ter captado a ideia do que os arminianos entendem por predestinação e eleição. Agora cabe fazermos algumas ressalvas, para que não haja mal-entendidos.

  

 

• Indivíduos eleitos ao ministério

 

Um fato importante que deve ser realçado é que, embora não cremos em uma eleição individual incondicional à salvação porque a Bíblia não ensina isso, nós cremos que existem certos indivíduos que, em especial, Deus chama ao ministério. É uma chamada individual ministerial, e não uma predestinação coletiva à salvação, como ocorre na eleição corporativa da Igreja.

 

Para entendermos isso, é bom compreendermos o contraste. Sempre quando a Bíblia fala da eleição de um grupo de pessoas (eleição corporativa), ela diz que é para a salvação. Ela nunca para na questão ministerial. Por exemplo, em 2ª Tessalonicenses 2:13 Paulo diz:

 

“Mas nós, devemos sempre dar graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor, porque desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade” (2ª Tessalonicenses 2:13)

 

Portanto, a eleição corporativa – notemos novamente o termo no plural – é para a salvação. Mas e o chamado individual de alguns indivíduos em específico? Seria para a salvação também? Se fosse, isso significaria que existem pelo menos alguns “predestinados” entre nós, no sentido calvinista do termo. Mas não é isso o que a Bíblia ensina. Sobre Jeremias, por exemplo, Deus diz:

 

“Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações” (Jeremias 1:5)

 

Como vemos, Deus não diz que escolheu Jeremias “para a salvação” (como quando diz em relação à Igreja como um todo), mas sim para ser profeta. Trata-se de um chamado ministerial. A mesma coisa ocorreu com Moisés. Deus não o escolheu “para ser salvo”, mas para ser um libertador do povo no Egito e líder deles:

 

“Ele foi enviado pelo próprio Deus para ser líder e libertador deles, por meio do anjo que lhe tinha aparecido na sarça” (Atos 7:35)

 

Com Isaías também. Ele diz que “antes de eu nascer o Senhor me chamou; desde o meu nascimento ele fez menção de meu nome” (Is.49:1). E ele explica do que se trata esse chamado nos versos seguintes, explicando sua designação como profeta, uma “luz para os gentios, para levar a salvação até aos confins da terra” (Is.49:6). O mesmo também podemos dizer sobre Paulo. Jesus testemunha a respeito dele:

 

“Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel” (Atos 9:15)

 

Cristo não diz que Paulo era um vaso escolhido “para a salvação”, mas “para levar meu nome diante dos gentios”, ou, mais precisamente, como apóstolo, que significa enviado. O próprio Paulo testemunhou a este respeito, dizendo:

 

“Mas Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça, quando lhe agradou revelar o seu Filho em mim para que eu o anunciasse entre os gentios” (Gálatas 1:15-16)

 

Ao invés de ele dizer que Deus o separou desde o ventre materno para a salvação, ele afirma que o propósito deste chamado era anunciar Cristo aos gentios. Mais uma vez, vemos que o chamado particular de certos indivíduos em nada tem a ver com uma salvação particular, mas com um chamado ao ministério. Que este chamado ministerial não implica em salvação fica nítido ao vermos que Judas era um escolhido e mesmo assim não foi salvo:

 

“Então Jesus respondeu: ‘Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de vocês é um diabo!’” (João 6:70)

 

Jesus não diz que ele “escolheu onze” e que o outro era um diabo, e sim que escolheu os doze e um deles era um diabo. Em outras palavras, embora ele soubesse que Judas iria traí-lo e que nunca foi salvo verdadeiramente, ele não nega que Judas era um eleito, um escolhido, assim como os outros discípulos. Por isso, quando a Bíblia diz que Judas “se desviou”, ela não diz que ele se desviou da salvação (a qual ele nunca teve), mas do apostolado, do ministério:

 

“Para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar” (Atos 1:25)

 

Por tudo isso, a conclusão que podemos chegar é que existem certas pessoas que Deus designa de antemão para algum chamado ministerial em especial, mas a salvação depende da perseverança e da não-resistência de cada um, pois ninguém é predestinado individualmente à salvação. Mesmo no caso das pessoas que foram chamadas particularmente ao ministério, isso não significa que elas foram mais “privilegiadas” do que as outras em função disso, porque a Bíblia diz que tais pessoas serão julgadas com maior rigor (Tg.3:1).

 

Este chamado ministerial é compreendido tanto por calvinistas como por arminianos. Começando por Calvino, que admite que “o caso de Judas não milita contra a certeza da eleição, porque ele foi eleito para o apostolado, porém não para a salvação”[64]. Ele cita o caso de Judas na defesa do chamado ministerial que não inclui uma predestinação à salvação:

 

“Entretanto, o fato de Cristo, em outro lugar, incluir Judas entre os eleitos, quando era um diabo [Jo 6.70], isto se refere apenas ao ofício apostólico, o qual, ainda que seja um nítido espelho do favor de Deus, como em sua pessoa tantas vezes Paulo reconhece, contudo não contém em si a esperança da salvação eterna”[65]

 

Como vemos, ele reconhecia que existem indivíduos que são eleitos para o ministério e não para a salvação, que é o que estamos dizendo aqui. Existe possibilidade de apostasia para eles, e até mesmo de nunca serem salvos. Era assim que cria Calvino, embora este também pensasse que existisse uma eleição individual à salvação paralela a uma outra eleição individual ao ministério. Para sustentar ambas as coisas à luz do caso de Judas, ele cita outra passagem que supostamente fala de outro tipo de eleição, sem incluir Judas:

 

“Esta é a mesma causa de que Cristo faz a exceção há pouco referida, onde diz que ‘ninguém pereceu, exceto o filho da perdição’ [Jo 17.12]. E de fato é uma expressão imprópria, todavia, muito longe de obscura, pois ele não era contado entre as ovelhas de Cristo porque o era realmente, mas porque ocupava seu lugar. Que de fato o Senhor declara em outro lugar que ele foi escolhido para si, com os apóstolos, isto se refere somente ao ministério. ‘Não vos escolhi’, diz ele, ‘em número de doze? Contudo, um dentre vós é um diabo’ [Jo 6.70]. Isto é, o havia escolhido para o cargo de apóstolo. Quando, porém, fala da eleição para a salvação, o mantém longe do número dos eleitos: ‘Não falo a respeito de todos; eu sei a quem escolhi’ [Jo 13.18]”[66]

 

Essa, porém, é uma interpretação defeituosa do texto de João 13:18, onde Cristo diz “conheço a quem escolhi” (Jo.13:18). A palavra grega eido, aqui utilizada, significa “adquirir conhecimento de, entender, perceber”[67]. Jesus estava dizendo que conhecia todos os escolhidos dele (incluindo Judas), de modo que ele sabia que o que estava dizendo sobre ser servo (v.16), lavar os pés uns dos outros (v.14) e praticar o evangelho (v.17) não se aplicavam a ele, embora ele estivesse entre os escolhidos.

 

É basicamente o mesmo que ele disse em João 6:70, onde o próprio Calvino reconhece que Judas estava incluso. Aqui não se trata de “outra eleição”, e sim da mesma eleição ao ministério, em que Cristo diz que conhecia a todos e, por esta mesma razão, sabia que Judas (um dos escolhidos) não estava apto a praticar o evangelho, pois Jesus sabia que ele seria o traidor, e por isso não falava a respeito de todos [os escolhidos] quando o assunto era as obras que procedem da fé, as quais Judas não tinha.

 

Dos autores arminianos, também muitos reconhecem a “predestinação ao serviço”. Roger Olson, por exemplo, disse:

 

“Todos os cristãos, até onde eu sei, acreditam na predestinação ao serviço. Ou seja, Deus chama algumas pessoas, quase irresistivelmente, se não irresistivelmente, no sentido absoluto, para uma função especial dentro do seu programa de redenção. Saulo, que se tornou Paulo, é um bom exemplo. Mas o debate da natureza da predestinação gira em torno da questão se Deus elege indivíduos incondicionalmente para a salvação ou condenação. Os arminianos acreditam que isto é incompatível com o caráter de Deus”[68]

 

Bruce Reichenbach também diz:

 

“Ele tem propósitos e vocações especiais para certas pessoas. Jeremias foi escolhido como profeta a fim de comunicar a palavra do Senhor (Jer. 1:5-9); Paulo havia sido escolhido para ser mensageiro de Deus aos gentios (At. 9:15-16); Pedro foi escolhido para pastorear o rebanho de Cristo (João 21:15-17)”[69]

 

Até John Wesley já reconhecia isso, quando disse:

 

“Com relação à eleição, eu creio que Deus, antes da fundação do mundo, elegeu incondicionalmente certas pessoas para certas obras, como Paulo para pregar o evangelho, e que Ele incondicionalmente elegeu algumas nações para receber privilégios peculiares, a nação judaica em particular”[70]

 

Assim, creio estar claro que, enquanto a predestinação corporativa (da Igreja) se refere à salvação, o chamado individual se refere ao ministério, e é uma coisa completamente diferente daquela. São duas coisas que não podem ser confundidas. Um cristão nos dias de hoje pode se considerar “individualmente predestinado” ao ministério, mas, assim como Judas, se desviar deste ministério e nunca ter sido salvo.

 

Corporativamente falando, todos nós somos “predestinados” enquanto estamos em Cristo, porque a Igreja é predestinada à glória. Mas há uma passagem que parece confrontar todo este conceito corporativo da predestinação: Atos 13:48. Iremos examiná-la a fim de descobrirmos se ela serve ou não de base à predestinação calvinista, como eles desejam.

 

 

• Atos 13:48 e o grego

 

Em Atos 13:48, Lucas escreve que “os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que foram ordenados para a vida eterna” (At.13:48). À primeira vista, desconsiderando completamente o contexto e o original grego, este texto parece bem desafiador. Ele parece dizer que Deus preordenou algumas pessoas para a vida eterna e outras para a morte eterna e que isso se realizou naquela ocasião. Isso, é lógico, colocaria em dúvida todo o nosso estudo sobre a eleição corporativa.

 

Mas, antes de examinarmos o texto em si, é importante notar que este verso, se for interpretado da forma que os calvinistas o leem, traria problemas sérios para a própria doutrina calvinista, em primeiro lugar. Isso porque, ao dizer que todos os que foram ordenados à vida eterna creram, deixa implícito que todos os que não creram naquela ocasião não haviam sido “predestinados” à salvação. Isso confronta o que ensinam os calvinistas, pois um eleito, para eles, não necessariamente aceita a mensagem do evangelho logo na primeira vez que o vê.

 

Os calvinistas concordam que “eleitos” podem ser salvos somente no leito de morte, ou depois de ouvirem muitos sermões. Se a interpretação deles é válida para este verso, teriam que corrigir todo este discurso e inferir que todos os que eram eleitos creram naquela pregação e que todos os que não creram naquela ocasião não eram eleitos, e, por conseguinte, não passariam a crer nunca. John William fala sobre isso nas seguintes palavras:

 

“Se ‘todos quantos estavam ordenados para a vida eterna’ creram nesse dia, então todos os demais eram reprovados, e, por estarem condenados à punição eterna, outra pregação de Paulo a eles seria inútil. Agora, é difícil explicar que tão completa separação em duas classes aconteceu por toda uma ampla comunidade em um único dia, e ainda mais difícil explicar que isto foi revelado a Lucas a fim de que ele pudesse registrá-la. Nossa surpresa é ainda maior quando lembramos que, segundo essa teoria, nem mesmo os próprios eleitos podem ter certeza de sua eleição”[71]

 

Então precisamos entender o sentido real do texto à luz de seu contexto e do original grego. A palavra aqui utilizada foi tasso, que possui diversos significados, e Lucas, o escritor do Evangelho de Lucas e de Atos dos Apóstolos, a usou quatro vezes, com quatro significados distintos, sendo eles:

 

a) Sujeitar

 

“Pois eu também sou homem sujeito [tasso] a autoridade, e com soldados sob o meu comando. Digo a um: ‘Vá’, e ele vai; e a outro: ‘Venha’, e ele vem. Digo a meu servo: ‘Faça isto’, e ele faz" (Lucas 7:8)

 

b) Designar

 

“Isso levou Paulo e Barnabé a uma grande contenda e discussão com eles. Assim, Paulo e Barnabé foram designados [tasso], juntamente com outros, para irem a Jerusalém tratar dessa questão com os apóstolos e com os presbíteros” (Atos 15:2)

 

c) Ordenar

 

“Então disse eu: Senhor, que farei? E o Senhor disse-me: Levanta-te, e vai a Damasco, e ali se te dirá tudo o que te é ordenado [tasso] fazer” (Atos 22:10)

 

d) Assinalar

 

“E, havendo-lhe eles assinalado [tasso] um dia, muitos foram ter com ele à pousada, aos quais declarava com bom testemunho o reino de Deus, e procurava persuadi-los à fé em Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas, desde a manhã até à tarde” (Atos 28:23)

 

Assim vemos que Lucas a usou em quatro ocasiões diferentes, e todas elas em sentidos distintos. Isso deveria ser suficiente para mostrar a qualquer leitor honesto da Bíblia que a palavra tasso não define a questão por si só, e que “ordenar” não é a única tradução correta possível para a palavra. A Concordância de Strong, mundialmente reconhecida como a melhor concordância nominal de todos os tempos, expressa bem este aspecto polissêmico da palavra. Dentre os seus possíveis significados, ela nos mostra:

 

5021 τασσω tasso

forma prolongada de um verbo primário (que mais tarde aparece apenas em

determinados tempos); TDNT - 8:27,1156; v

1) colocar em ordem, situar.

1a) colocar em uma determinada ordem, organizar, designar um lugar, apontar.

1a1) designar (apontar) algo para alguém.

1b) apontar, ordenar, arrumar.

1b1) designar por responsabilidade ou autoridade própria.

1b2) apontar mutuamente, i.e., concordar sobre.

 

Como vemos, “designar” é um dos significados plausíveis da palavra e é, de fato, um dos mais recorrentes do termo. É por isso que a Nova Versão Internacional (NVI) traduz Atos 13:48 da seguinte maneira:

 

“Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna” (Atos 13:48)

 

A Almeida Corrigida e Revisada Fiel traduz por “estavam ordenados”, ao invés de “haviam sido” ordenados ou designados. Como o tempo verbal está no passado, é fato que essa designação é anterior à fé, mas o sujeito é oculto e não há nada no texto que nos leve a crer que essa designação ocorreu desde a eternidade passada. Isso é claramente ir muito além daquilo que está escrito. Se o texto tivesse relação com algum decreto ou predestinação divina, a palavra empregada possivelmente teria sido proorizo, e não tasso.

 

É digno de nota que tasso nunca é usada na Bíblia (seja por Lucas ou por qualquer outro escritor) no sentido de predestinação divina, como um decreto eterno de Deus. Adam Clarke, por exemplo, nos diz que “a palavra não inclui nenhum idéia de preordenação ou predestinação de qualquer espécie”[72]. Se a Bíblia nunca usa tasso neste sentido, seria estranho que Lucas optasse por usar esta palavra se ele tinha em mente um decreto eterno de Deus.

 

Ele teria uma palavra (proorizo) pronta, a mão, que poderia ter sido perfeitamente utilizada por ele caso ele quisesse e que expressaria perfeitamente bem este sentido, mas preferiu utilizar uma que nunca expressa predestinação divina em toda a Bíblia.

 

Os calvinistas teriam também que fazer outra inferência que não está no texto, que é a presunção de que o sujeito que designa é Deus, quando o sujeito é oculto. Eles “estavam designados”, mas por quem? Há duas possibilidades reais: por Deus ou por eles mesmos. Ou Deus os designou antes de eles crerem, ou eles próprios designaram-se a si mesmos em seus corações. Há quem defenda ambas as teorias. Richard Watson é um dos que defendem que o agente é o homem. Ele diz:

 

“O significado do texto é que todos quantos estavam determinados e decididos pela vida eterna, - todos quantos estavam aplicados e decididos pela salvação, - creram. Pois que o historiador está falando do papel cândido e sincero dos ouvintes dos apóstolos, em oposição aos blasfemos judeus, isto é, dos gentios que, ‘ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor’, é evidente a partir do contexto”[73]

 

A análise do grego não vai além disso. Ela nos mostra que o termo tasso possui diversos significados possíveis (dentre os quais designar), que a palavra nunca aparece em relação a um decreto divino ou predestinação (o que seria proorizo e não tasso), que antes de os gentios crerem já estavam dispostos (embora não possamos saber desde quando) e que o sujeito oculto nos leva a duas possibilidades reais: Deus ou o homem. Para definir a questão, a análise do contexto é profundamente importante aqui.

 

 

• Atos 13:48 em seu contexto

 

Paulo e Barnabé foram pregar o evangelho em Antioquia, no território dos gentios (v.14). Na sinagoga, ele dirigiu sua mensagem aos israelitas e aos gentios que temem a Deus (v.16). Depois de fazer um breve resumo do evangelho, ele diz que os israelitas não reconheceram Jesus e o condenaram (v.27). Após a pregação, Lucas diz que “muitos dos judeus e estrangeiros piedosos convertidos ao judaísmo seguiram Paulo e Barnabé” (v.13). Assim vemos que Paulo e Barnabé conseguiram seguidores naquele dia, embora o texto bíblico ainda não diga que eles passaram a crer naquele instante.

 

Eles voltaram a pregar o evangelho ali no sábado seguinte (v.44), mas os judeus ficaram com inveja e começaram a contradizer Paulo (v.45). Este, então, disse que “era necessário anunciar primeiro a vocês a palavra de Deus; uma vez que a rejeitam e não se julgam dignos da vida eterna, agora nos voltamos para os gentios” (v.46). Ao ouvirem isso, “os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna” (v.48).

 

Então, diante do contexto, vemos que:

 

• Paulo dirigiu sua mensagem a gentios que já temiam a Deus (v.16), como Cornélio, que já era “homem justo e temente a Deus” (At.10:22), embora ainda não cresse em Jesus. Antes de crerem, eles já haviam designado seus próprios corações a temerem a Deus.

 

• Eles já haviam seguido Paulo e Barnabé no sábado anterior. Embora ainda não cressem, já haviam “dispostos” seus corações para seguirem Paulo e Barnabé, o que significa que eles já estavam inclinados a crer, designados a isso.

 

• A razão porque os judeus não estavam “designados” à vida eterna não era porque Deus não os escolheu, mas porque eles rejeitaram o chamado divino e julgaram a si mesmos indignos da vida eterna. Deste modo, a mensagem foi levada também aos gentios, que creram, pois estavam designados a isso desde o sábado anterior, quando seguiram Paulo e Barnabé e lhes pediram que pregassem novamente no sábado seguinte.

 

Sendo assim, a conclusão lógica diante do contexto é que os gentios tementes a Deus, ao decidirem seguir Paulo e Barnabé, julgaram-se “dignos da vida eterna”, diferentemente dos judeus incrédulos, e, consequentemente, estavam designados a ela. Por isso, no sábado seguinte eles não hesitaram ao ouvir novamente a mensagem e creram. Independentemente de quem é o agente que designa, o fato é que essa designação não ocorreu arbitrariamente na eternidade, mas a partir do momento em que eles seguiram os apóstolos, mostrando boa vontade para com o evangelho.

 

Como já dissemos, o agente pode ser Deus ou o homem. No caso de Deus, o verso deve ser interpretado como dizendo que, a partir do momento em que eles passaram a aceitar o evangelho, eles haviam sido ordenados (por Deus) à vida eterna, sob a condição de permanecerem firmes até o fim. No caso do agente ser o homem, o texto está dizendo que cada gentio dispôs seu próprio coração para aceitar a vida eterna, antes de crer. A fé, em ambos os casos, sucede uma regeneração parcial que todo e qualquer arminiano clássico crê. A fé é infundida no crente somente depois que este aceita o evangelho, que é o que ocorreu aqui.

 

Há um contraste estabelecido aqui entre os judeus e os gentios. Os judeus recusaram o chamado divino e julgaram-se indignos da vida eterna. Os gentios, por outro lado, aceitaram o chamado divino e julgaram-se dignos da vida eterna. Como diz Lumby, “os judeus estavam agindo de forma a manifestarem-se indignos; os gentios estavam tornando manifesto seu desejo de ser julgados dignos”[74].

 

É desta forma que os gentios já estavam designados à vida eterna e os judeus não. Não é um caso de arbitrariedade divina. Até mesmo o calvinista Buswell reconheceu isso, ao dizer:

 

“Na verdade, as palavras de Atos 13.48,49 não são necessariamente uma referência à doutrina do decreto eterno de Deus sobre a eleição. O particípio passivo tetagmenoi pode simplesmente significar ‘pronto’, e podemos muito bem ler: ‘Todos os que foram preparados para a vida eterna, creram’”[75]

 

Dean Alford é outro calvinista que também rejeita a tese de que este versículo prova alguma coisa em termos de eleição individual incondicional à salvação. Ele diz:

 

“O significado desta palavra dispostos deve ser determinado pelo contexto. Os judeus julgaram-se indignos da vida eterna (versículo 46); os gentios, tantos quantos estavam dispostos para a vida eterna, creram. Por quem dispostos, aqui não é declarado (...) achar que este texto afirma uma pré-ordenação para a vida é forçar tanto a palavra quanto o contexto a um significado que eles não contêm”[76]

 

Howard Marshall é mais detalhista e também faz questão de analisar o contexto antes de concluir:

 

“O plano de Deus necessitava que o Evangelho fosse primeiro pregado aos judeus, mas também, quando eles como comunidade o rejeitassem, aos gentios, conforme Is 49.6. Pois o propósito de Deus incluía a reunião dos gentios em um reino. Foi esta profecia que se cumpriu na resposta dos gentios em Antioquia. Pela razão dos gentios, como tais, terem sido ordenados à vida eterna – sob a condição de fé – que agora eles creram. A afirmação de Lucas, portanto, não se preocupa em delimitar um grupo particular de gentios que, distinto de outras pessoas, foram particularmente ordenados a crer, mas em demonstrar que quando Deus tomou a iniciativa e ofereceu salvação aos gentios, conforme Seu propósito de chamar um povo para Si mesmo dentre os gentios, eles responderam com fé”[77]

 

John William traça uma analogia que nos ajuda a entender melhor o caso:

 

“Notamos o mesmo em todas as nossas congregações nos dias atuais. Dois homens sentam lado a lado sob o som do mesmo sermão evangélico; um está desperto para a importância da vida futura, enquanto o outro está absorto na vida presente. O último irá fazer-se de surdo para a pregação, incorrendo na reprovação de Paulo de julgar-se indigno da vida eterna, enquanto o primeiro crerá na boa mensagem, e se lançará ao trono de misericórdia. É precisamente esta diferença em relação à vida eterna que Lucas aqui indica, e ele a indica porque ela explica o fato que uma classe na audiência de Paulo creu, e a outra não. Ela deixa a responsabilidade para a crença e incredulidade, com suas eternas consequências, sobre o homem, e não sobre Deus”[78]

 

Com uma perspectiva um pouco diferente, mas ainda dentro dos padrões bíblicos, R. J. Knowling nos apresenta outra forma possível de ver o texto, sem qualquer implicação “calvinista” ali:

 

“As palavras, na verdade, nada mais são do que um corolário do anagkaion de são Paulo (‘necessário,’ versículo 46): os judeus como nação tinham sido ordenados para a vida eterna – eles tinham rejeitado esta eleição – mas aqueles que creram entre os gentios foram igualmente ordenados por Deus para a vida eterna, e foi de acordo com Sua ordenação divina que os apóstolos se viraram para eles”[79]

 

Há até mesmo alguns arminianos que creem que Deus predestinou na eternidade aqueles que estariam designados à vida eterna, de acordo com a presciência de atos futuros, e não de forma arbitrária e incondicional. À vista de tudo isso, é simplesmente um passo gigante inferir que a interpretação calvinista é a única plausível aqui. Na verdade, à vista do contexto e do original grego, ela é a menos plausível de todas. Resta-nos agora analisarmos o carro-chefe dos calvinistas: Romanos 9.

 

 

• Romanos 9

 

É virtualmente impossível encontrar um livro calvinista que não cite alguma coisa de Romanos 9 pelo menos cem vezes. Aquilo que a Terra Santa representa para judeus e islâmicos, Romanos 9 representa para os calvinistas. É difícil dimensurar a importância única que Romanos 9 representa para eles, pois este é o único capítulo da Bíblia em que algum escritor inspirado parece estar advogando uma doutrina de predestinação particular individual à salvação.

 

Ele fala sobre Deus amando Jacó e odiando Esaú (v.13), sobre Ele usar de misericórdia sobre quem quer (v.15), sobre isso não depender do esforço humano (v.16), sobre Deus endurecendo o coração do Faraó (v.18) e sobre “vasos de ira” (v.22), preparados para a destruição. Parece chocante para alguém que não possui o resto da Bíblia ou que não analisa Romanos 9 dentro do contexto da própria epístola aos romanos. Isoladamente e sem exegese, qualquer um poderia mesmo pensar que Paulo estava retratando uma predestinação individual e incondicional aqui.

 

Por essa mesma razão, eu convido todos os leitores a lerem a epístola aos romanos inteira antes de concordar com qualquer coisa que um arminiano ou calvinista escreve sobre Romanos 9. Não se deixe convencer facilmente por um discurso calvinista ou arminiano, faça questão de averiguar o contexto você mesmo. Se você fizer isso, irá descobrir que desde o começo da epístola um dos principais assuntos era a salvação de Israel. Paulo começava um tema, abria um parêntese e retomava esse mesmo tema depois. Era um costume dele, presente em quase todas as suas epístolas, e em especial presente na carta aos romanos.

 

Sintetizando o contexto:

 

• Paulo inicia a epístola dizendo que o evangelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego” (1:16). Ele também diz que “haverá tribulação e angústia para todo ser humano que pratica o mal: primeiro para o judeu, depois para o grego; mas glória, honra e paz para todo o que pratica o bem: primeiro para o judeu, depois para o grego” (2:9-10). Notem que o foco primeiro de Paulo é sempre o povo judeu.

 

• Depois de dizer que Deus julgará ambos (judeus e gentios), ele responde à pergunta: “Que vantagem há então em ser judeu, ou que utilidade há na circuncisão?” (3:1) da seguinte maneira: “Muita, em todos os sentidos! Principalmente porque aos judeus foram confiadas as palavras de Deus. Que importa se alguns deles foram infiéis? A sua infidelidade anulará a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma!” (3:2-4). Em outras palavras, a partir de então ele começa a expor as vantagens de ser judeu. Ele abre um parêntese para tratar da questão do pecado, do capítulo 3 ao 8, mas retoma este mesmo assunto mais adiante, no capítulo 9.

 

• No capítulo 9, Paulo retoma o assunto das vantagens do povo judeu. Ele lamenta pelos israelitas que se tornaram incrédulos, dizendo: “Digo a verdade em Cristo, não minto; minha consciência o confirma no Espírito Santo: tenho grande tristeza e constante angústia em meu coração. Pois eu até desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, o povo de Israel (9:1-3).

 

• Em seguida, ele expõe mais uma vez as vantagens dos judeus, dizendo que “deles é a adoção de filhos; deles é a glória divina, as alianças, a concessão da lei, a adoração no templo e as promessas. Deles são os patriarcas, e a partir deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de tudo, bendito para sempre!” (9:4-5).

 

• Depois disso, ele responde a um interlocutor oculto que pode pensar que essas promessas de Deus ao povo judeu falharam, e que eles perderam a eleição e seu lugar na glória, já que muitos deles rejeitaram a Cristo. Ele, então, diz: “Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel” (9:6). Ele prossegue dizendo que os judeus que creem em Cristo são descendentes de Abraão assim como os gentios que também creem, permanecendo neles a eleição. Ou seja: que a eleição de Israel permanece subsistindo no “Israel da promessa”, em contraste ao “Israel da carne” (9:6-8).

 

• Para reforçar este ponto, ele traça uma analogia entre Israel e Ismael. Embora ambos fossem descendentes naturais de Abraão, Deus decidiu fazer seu pacto somente com os descendentes de Isaque (9:7-9). O mesmo ocorreu com os filhos gêmeos de Rebeca. Embora tanto Jacó como Esaú fossem descendentes naturais de Isaque, Deus decidiu estabelecer seu pacto somente com a descendência de Jacó (9:10-13). Estes exemplos foram ilustrativos para mostrar que, já nos tempos do Antigo Testamento, Deus era soberano para escolher com quem ele iria querer fazer um pacto.

 

• Depois de refutar a ideia de que Deus seria injusto por escolher soberanamente com quem estabeleceria um pacto (9:14-22), ele conclui a ideia de que, como Deus é soberano para estabelecer seu pacto com quem ele quiser, ele decidiu estender um novo pacto para os “filhos da promessa”, em uma Nova Aliança que abrange todos os que creem, tanto dos judeus como dos gentios (9:24-33).

 

• Ele segue dizendo que deseja a salvação de Israel: “Irmãos, o desejo do meu coração e a minha oração a Deus pelos israelitas é que eles sejam salvos” (10:1), e diz que “Deus não rejeitou o seu povo” (11:1), porque “eu mesmo sou israelita, descendente de Abraão, da tribo de Benjamim” (11:1). E então, no verso seguinte, ele diz:

 

“Deus não rejeitou o seu povo, o qual de antemão conheceu. Ou vocês não sabem como Elias clamou a Deus contra Israel, conforme diz a Escritura?” (Romanos 11:2)

 

Como vemos, estes que ele “de antemão conheceu” trata-se do povo de Israel, que, no conceito paulino, agora abrangia não a totalidade da descendência natural de Abraão, mas os filhos da promessa, que inclui judeus e gentios que creem. Ele acrescentou as palavras “de antemão conheceu” como uma referência a Amós 3:1-2, que diz que de todas as famílias da terra Deus só conhecia a Israel:

 

“Ouvi esta palavra que o Senhor fala contra vós, filhos de Israel, contra toda a família que fiz subir da terra do Egito, dizendo: De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido; portanto eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades” (Amós 3:1,2)

 

Assim sendo, para Paulo, as promessas e o pacto de Deus com Israel na Antiga Aliança permaneciam subsistindo na Igreja, naqueles judeus e gentios que creem, sendo receptores das promessas a Abraão. Os que ele “de antemão conheceu”, que antes se aplicava apenas aos israelitas segundo a carne, agora se aplica aos israelitas da promessa, e neles permanece a eleição de Israel. Todo o foco da questão se resume ao fato de que a eleição de Israel não foi revogada, mas se cumpre na Igreja. Não tem nada a ver com uma predestinação fatalista individual de uma pessoa na eternidade.

 

Diante de todo o contexto da epístola, podemos perceber claramente que o tema de Romanos 9 não era sobre uma predestinação individual de algumas pessoas à salvação, e sim sobre a irrevogável eleição de Israel. Os calvinistas tiram grosseiramente Romanos 9 do seu contexto para enganar a mente dos mais ingênuos para que eles pensem que o assunto ali tratado era a predestinação individual de um ser humano na eternidade, o que é um crime contra a exegese. Somente incautos podem se deixar convencer por uma interpretação tão rasa, que desrespeita todo o contexto da epístola aos romanos.

 

Paulo não está dizendo que eu ou você fomos individualmente predestinados ao Céu e que outras pessoas foram rejeitadas por ele, mas sim que Israel foi escolhido pelo Senhor e que Deus não revogou essa eleição, pois ela permanece no “Israel de Deus” (Gl.6:16), a Igreja. Todos os versos de Romanos 9 giram em torno disso, e por essa razão iremos analisar parte por parte, para confirmarmos essa interpretação lógica e contextual que derruba as pretensões calvinistas.

 

 

• Jacó e Esaú

 

A passagem mais utilizada de Romanos 9 na defesa da predestinação individual é certamente o verso 13, que diz que Deus amou Jacó mas “odiou” Esaú[80]. A maioria dos calvinistas hoje interpreta este texto como se tratando da própria pessoa de Jacó e de Esaú, contrariando a interpretação ortodoxa histórica de que Jacó ali era uma representação do povo de Israel e Esaú dos edomitas. Uma prova evidente de que Paulo estava tratando das nações de Jacó (Israel) e Esaú (Edom) é que desde o Gênesis isso já era aceito. Deus disse à Rebeca:

 

“Disse-lhe o Senhor: ‘Duas nações estão em seu ventre, já desde as suas entranhas dois povos se separarão; um deles será mais forte que o outro, mas o mais velho servirá ao mais novo’” (Gênesis 25:23)

 

Paulo tirou a analogia de Jacó e Esaú de uma aceitação comum entre os hebreus de que Jacó representava a nação de Israel e Esaú representava a nação de Edom, tradição esta que já provinha desde o Gênesis. Observando isso, Norman Geisler disse:

 

“Deus não está falando aqui do indivíduo Jacó, mas a respeito da nação de Jacó (Israel). Em Gênesis, quando a predição foi feita (25.23), foi dito a Rebeca: ‘Duas nações estão em seu ventre, já desde as suas entranhas dois povos se separarão; (...) o mais velho servirá ao mais novo’. Assim, a referência aqui não é à eleição individual, mas a uma eleição coletiva, de uma nação – a nação escolhida de Israel”[81]

 

O próprio texto em que Paulo faz menção, ao dizer que “está escrito” (v.13), se refere não a Esaú como pessoa, mas à nação de Edom. Paulo fazia menção ao texto de Malaquias, que diz:

 

“Uma advertência: a palavra do Senhor contra Israel, por meio de Malaquias. Eu sempre os amei, diz o Senhor. Mas vocês perguntam: ‘De que maneira nos amaste?’ Não era Esaú irmão de Jacó?, declara o Senhor. Todavia eu amei Jacó, mas rejeitei Esaú. Transformei suas montanhas em terra devastada e as terras de sua herança em morada de chacais do deserto. Embora Edom afirme: ‘Fomos esmagados, mas reconstruiremos as ruínas’, assim diz o Senhor dos Exércitos: Podem construir, mas eu demolirei. Eles serão chamados Terra Perversa, povo contra quem o Senhor está irado para sempre. Vocês verão isso com os próprios olhos e exclamarão: Grande é o Senhor, até mesmo além das fronteiras de Israel!” (Malaquias 1:1-5)

 

Como vemos, o texto veterotestamentário do qual Paulo faz menção se refere não à pessoa de Esaú ou Jacó, mas às nações, ou seja, seus descendentes. A advertência não era contra Jacó em pessoa (que já havia morrido há séculos), mas contra Israel (v.1). Por isso, Deus diz que sempre os amou, no plural, se referindo a toda a nação. Com Edom é o mesmo que acontece: fomos esmagados, no plural, para se referir a toda a nação e não a Esaú como pessoa. Jacó e Esaú, naquele contexto, eram meras representações das nações de Israel e Edom.

 

Até mesmo o calvinista J. Oliver Buswell admitiu isso quando disse:

 

“Neste caso o comentário com que Paulo conclui a referência a Jacó e Esaú coincide com a opinião de que a ‘eleição’ aqui em vista é uma eleição para a linha messiânica, e não uma eleição de um indivíduo para a vida eterna (...) Na passagem de Malaquias da qual Paulo cita estas palavras, o profeta está claramente se referindo não ao indivíduo Esaú, mas ao povo de Edom que tinha sido um povo pecador e rebelde, posto que se permitia que fossem, de acordo com as promessas de Deus, considerados dentro da aliança de Deus com Israel. Não há nada no relato de Gênesis que indica que Esaú, quando Jacó retornou para sua terra natal, não era um sincero adorador”[82]

 

Outra forte evidência de que Paulo não estava falando da pessoa de Jacó e de Esaú é que o texto diz que Jacó seria servo de Esaú:

 

“Todavia, antes que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má – a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, não por obras, mas por aquele que chama – foi dito a ela: ‘O mais velho servirá ao mais novo’. Como está escrito: ‘Amei Jacó, mas rejeitei Esaú’” (Romanos 9:11-13)

 

O problema para os calvinistas é que Esaú nunca foi servo de Jacó durante a sua vida. Pelo contrário: se alguém pode ter sido considerado “servo” de alguém, foi Jacó de Esaú, e não Esaú de Jacó. Em Gênesis, vemos que Jacó se considerava servo de Esaú:

 

“Então Esaú ergueu o olhar e viu as mulheres e as crianças. E perguntou: ‘Quem são estes?’ Jacó respondeu: ‘São os filhos que Deus concedeu ao teu servo’ (Gênesis 33:5)

 

“Esaú perguntou: ‘O que você pretende com todos os rebanhos que encontrei pelo caminho?’ ‘Ser bem recebido por ti, meu senhor’, respondeu Jacó” (Gênesis 33:8)

 

Jacó tanto se considerava “servo” de Esaú que se prostrou sete vezes ao chão diante dele, algo que somente era feito pelo inferior a um superior, por um servo a um senhor:

 

“Ele mesmo passou à frente e, ao aproximar-se do seu irmão, curvou-se até o chão sete vezes” (Gênesis 33:3)

 

Durante a vida de Jacó, Esaú sempre foi o mais rico e poderoso. Esta condição só veio a se reverter com os seus descendentes, os edomitas, que se tornaram servos dos descendentes de Jacó, os israelitas, que de fato vieram a ser muito mais poderosos do que Edom. Portanto, o texto bíblico indubitavelmente está se referindo à nação de Israel (Jacó) e à nação de Edom (Esaú), e não à própria pessoa de Jacó e Esaú, ou senão Paulo estaria invertendo a condição de servo e de senhor, e, consequentemente, cometendo um disparate bíblico. Foi por isso que John Wesley escreveu:

 

“A passagem é inegavelmente clara, que ambas as escrituras [versículos 12 e 13] tratam, não das pessoas de Jacó e Esaú, mas de seus descendentes; os israelitas; descendentes de Jacó e os edomitas; descendentes de Esaú. Somente neste sentido é que o ‘mais velho’ (Esaú) ‘serviu ao mais novo’; não em sua pessoa (pois Esaú jamais serviu a Jacó), mas em sua posteridade. A posteridade do irmão mais velho serviu a posteridade do irmão mais novo”[83]

 

Essa interpretação lógica e consistente, de que Paulo não estava se referindo à Jacó como pessoa, mas à nação de Israel (que era o nome de Jacó), foi a interpretação ortodoxa predominante na Igreja por dois milênios, até que em pleno século XXI temos o desprazer de ouvir calvinistas desinformados afirmando que essa interpretação “é uma piada, é uma hermenêutica de cambalhota dizer que Romanos 9 não está falando da pessoa de Jacó e da pessoa de Esaú”[84].

 

É realmente lamentável que as pessoas não estudem o contexto e falem do que desconhecem. Se o pastor calvinista Thomas Santos (autor desta pérola) estudasse pelo menos os próprios escritos de Calvino (algo que ele com certeza não fez) iria descobrir que até mesmo o próprio Calvino admitia que a referência era aos descendentes de Jacó e Esaú. Ele disse:

 

“O que se diz: ‘Amei a Jacó’ [Ml 1.2], refere-se a toda a descendência do patriarca, a qual o Profeta aí contrasta com os descendentes de Esaú”[85]

 

Como vemos, o próprio Calvino reconhecia que a referência era aos descendentes de Jacó. E ele não foi o único calvinista que admitiu isso. Sanday e Headlam disseram que “no original ao qual Paulo se refere, Esaú é simplesmente um sinônimo de Edom”[86]. Na mesma linha, Berkouwer, também calvinista, diz que “está cada vez mais sendo aceito que esta passagem não se trata primeiramente de estabelecer um locus de praedestinatione como uma análise de eleição ou rejeição individual, mas, preferivelmente, [trata de] certos problemas que surgem na história da salvação”[87].

 

O calvinista Russell P. Shedd é outro que refuta a teoria de que Romanos 9:13 se refere às próprias pessoas (Jacó e Esaú). Ele disse que “não se refere aos indivíduos, mas às nações que surgiram deles. Os edomitas estiveram, por longos períodos, sujeitos a Israel (cf 2 Sm 8.14; 1 Rs 22.47)”[88]. À vista de tudo isso, é uma grande distorção bíblica afirmar que Paulo advogava uma espécie de eleição individual em Romanos 9:13. O assunto, como mostramos diante de todo o contexto, continua sendo a eleição de Israel à luz da soberania de Deus, que tem o direito de escolher com quem ele quer estabelecer um pacto.

 

 

• A misericórdia de Deus

 

O próximo ponto de Paulo em seu discurso de Romanos 9 é se essa eleição corporativa é justa ou injusta. Ele diz:

 

“E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma! Pois ele diz a Moisés: ‘Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão’. Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus” (Romanos 9:14-16)

 

Vimos que Deus decidiu estabelecer um pacto com a descendência de Isaque e não com a de Ismael (vs.7-9) e com a descendência de Jacó e não de Esaú (vs.9-13), que seria um prelúdio da eleição soberana de Deus onde ele, na Nova Aliança, estabelece um Novo Pacto com todos aqueles que creem, inclusive dentre os gentios (vs.24-33). Por acaso Deus seria injusto, por decidir estabelecer um Pacto com um e não com outro? Deus seria injusto por escolher os filhos da promessa ao invés dos filhos naturais (v.8)? A resposta de Paulo é clara: não.

 

Deus não seria injusto, porque, em primeiro lugar, ele é soberano para escolher com quem estabelecerá um pacto e com quem não estabelecerá. Se Deus escolheu uma nação e não outra, ou um grupo corporativo e outro não, isso faz parte da soberania dele. Mais uma vez, isso não se resume a indivíduos na eternidade. Paulo permanece tratando do mesmo tema, da eleição de Israel. O ponto aqui é que a eleição (corporativa) não depende do esforço humano, mas da misericórdia de Deus.

 

Abraão não pediu a Deus para que Ele estabelecesse um pacto com seus descendentes. Jacó não fez alguma boa obra enquanto ainda estava no ventre da mãe para que Deus estabelecesse um pacto com a descendência dele e não com a de Esaú. Essa eleição não é de acordo com uma “presciência” de atos futuros, nem por obras, nem depende em nenhuma medida do desejo ou do esforço humano. Depende total e exclusivamente do desejo e da vontade de Deus, unicamente.

 

Ele não escolheu Israel por prever boas ações ou por ser o melhor de todos os povos; ao contrário, é dito que Israel era a menor de todas as nações, a mais insignificante. A descrição bíblica sobre isso, dita pelo próprio Deus, é impressionante:

 

“Pois vocês são um povo santo para o Senhor, o seu Deus. O Senhor, o seu Deus, os escolheu dentre todos os povos da face da terra para ser o seu povo, o seu tesouro pessoal. O Senhor não se afeiçoou a vocês nem os escolheu por serem mais numerosos do que os outros povos, pois vocês eram o menor de todos os povos” (Deuteronômio 7:6-7)

 

Essa eleição, de fato, não dependeu do esforço humano. Isso era uma prévia do seu ponto a favor da inclusão dos gentios no grupo corporativo (Igreja). Paulo estava disputando com judeus fanáticos que criam que só os judeus poderiam ser salvos e que Deus não poderia estender a eleição para mais ninguém, somente para os descendentes naturais de Abraão. Eles batiam no peito e diziam com orgulho: “somos os filhos de Abraão” (Jo.8:39).

 

Para que Paulo mudasse esse conceito de descendência natural em favor da descendência espiritual, era necessário provar que Deus era soberano na história para estabelecer uma aliança com quem ele quisesse, e que isso não depende da vontade do homem, mas somente da misericórdia de Deus. Por isso, se Deus decide estender seu pacto aos gentios através de uma descendência espiritual de Abraão, ele é soberano para tanto e pode fazer conforme desejar. Era este o ponto aqui.

 

Quando Paulo diz que Deus exerce misericórdia com quem ele quer, ele não está refutando uma posição arminiana de misericórdia disponível para todos, sob a condição de crer (em relação à salvação). Pelo contrário: ele está refutando uma visão de misericórdia limitada propagada entre os judeus de que Deus só poderia exercer misericórdia sobre eles, de modo que nunca a graça se estenderia aos gentios. Se Deus decide manter alguém endurecido (no caso, o Israel da carne), ou exercer misericórdia sobre quem antes não tinha um pacto com ele (o Israel da promessa), ele pode fazer isso sem se tornar “injusto”.

 

É muito importante ressaltarmos que essa misericórdia, como aponta todo o contexto, diz respeito ao pacto com Deus, que antes somente os israelitas tinham e hoje todos os que creem (de qualquer nacionalidade) possuem. Ela não diz respeito à salvação. Ninguém realmente crê que todos os seres humanos não-israelitas que viveram na época da Antiga Aliança foram para o inferno. Deus estabeleceu uma aliança com Israel, mas não limitou a salvação à Israel. Assim como nem todos os israelitas eram salvos, nem todos os não-israelitas eram não-salvos[89].

 

Por isso, quando a questão era a misericórdia de Deus em relação à salvação, Paulo deixa bem claro, dois capítulos adiante, que Deus exerce misericórdia sobre todos, e não apenas sobre alguns:

 

“Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos” (Romanos 11:32)

 

Paulo aqui está falando da misericórdia de Deus através da obra da cruz, em disponibilizar salvação a todos os homens. O “todos”, neste contexto, não pode significar “alguns”, senão quebraria toda a lógica contextual. Os próprios calvinistas creem que todos os homens do mundo, individualmente, pecaram e desobedeceram a Deus. Consequentemente, a sequencia do verso que diz que Deus estabeleceu misericórdia para com “todos” não pode significar outra coisa senão cada pessoa do mundo, aquelas que também estavam incluídas no “todos” que pecaram e desobedeceram a Deus. De outra forma, Paulo estaria dizendo o seguinte:

 

“Pois Deus colocou todas as pessoas do mundo sob a desobediência, para exercer misericórdia apenas sobre alguns poucos, os eleitos” (Pseudo-Paulo “calvinista”, Aos Arminianos, 11:32)

 

É lógico que o verso exige que o todos seja todos, sem exceção. Todos, sem exceção, estiveram sob o pecado; e todos, sem exceção, foram alvos da misericórdia de Deus. Portanto, quando a questão era a salvação individual, Paulo era enfático: Deus exerce sua misericórdia para com cada pessoa do mundo, e não apenas para alguns. Mas, quando a questão era a eleição corporativa, essa misericórdia se estendia apenas para alguns: aqueles que Ele quer.

 

De fato, Deus poderia ter escolhido qualquer outra nação, mas quis escolher Israel. O querer de Deus foi a única coisa que importou neste caso. Deus também poderia, da mesma forma, estabelecer um novo pacto com os mesmos filhos naturais, mas escolheu os filhos da promessa, os que creem, e não os descrentes. Deus foi soberano nesta escolha. A “misericórdia” aqui diz respeito ao pacto corporativo, não de indivíduos à salvação ou à condenação.

 

É por essa razão que cremos que pessoas não-israelitas poderiam ser salvas no tempo do Antigo Pacto, e pessoas israelitas poderiam ser condenadas também naquela época. Salvificamente falando, a extensão da misericórdia de Deus abrange todas as suas criaturas[90]. Corporativamente e em termos de eleição para um pacto, a misericórdia esteve apenas sobre os israelitas na Antiga Aliança e está apenas sobre a Igreja na Nova Aliança.

 

 

• O endurecimento do Faraó

 

Paulo prossegue seu discurso dizendo:

 

“Pois a Escritura diz ao faraó: ‘Eu o levantei exatamente com este propósito: mostrar em você o meu poder, e para que o meu nome seja proclamado em toda a terra’. Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer” (Romanos 9:17-18)

 

Calvinistas costumam usar este versículo para provar que há certas pessoas “predestinadas” à salvação e que há outras que são “endurecidas”, que eles creem que se refere à predestinação à perdição. Calvino insistentemente fez uso deste versículo na tentativa de provar que os não-eleitos são ativamente endurecidos por Deus durante toda a sua vida para que eles nunca sejam salvos. Outros usam este verso na tentativa de impugnar o livre-arbítrio, dizendo que Deus agiu contra a vontade do Faraó.

 

Mas será que alguma dessas alegações calvinistas tem cabimento? Seguindo a lógica de Paulo, o que ele estava dizendo era que Deus não tem qualquer necessidade ou obrigação de estabelecer um pacto com todo mundo, mas ele escolhe quem ele quer. Então, Paulo usa o exemplo do Faraó como um caso de alguém que não foi escolhido para uma aliança com Deus. Afinal, quem era o Faraó? Era a autoridade máxima de todo o Egito. Deus preferiu, por sua própria vontade, estabelecer um pacto com Moisés a favor dos israelitas, e não com Faraó a favor dos egípcios. Deus foi soberano e autodeterminante nesta decisão.

 

Mas isso ainda não resolve a questão do endurecimento. Calvinistas tem usado este verso a favor de uma contra-eleição. Os “endurecidos” seriam aqueles que Deus predestinou ao inferno. Se for assim mesmo, então eles teriam que explicar de que modo que os discípulos de Jesus foram lançados ao inferno, já que a Bíblia relata em certa ocasião que eles estavam com seus corações endurecidos:

 

“Não tinham entendido o milagre dos pães. Seus corações estavam endurecidos” (Marcos 6:52)

 

Portanto, se os calvinistas creem que havia “predestinados” (à salvação) entre os discípulos de Jesus, eles terão que abrir mão do argumento de que o endurecimento implica em uma contra-predestinação, ou em uma predestinação à perdição. No mínimo, eles teriam que reconhecer que este endurecimento pode ser algo passageiro, e não permanente, assim como os discípulos que estavam endurecidos naquela ocasião mas tiveram seus corações transformados depois.

 

Se for assim, então o endurecimento do Faraó em nada favorece uma tese de predestinação incondicional de indivíduos à perdição. Isso é uma exegese de fundo de quintal, que obrigaria, segundo a lógica, a mandar os discípulos de Jesus ao inferno. Faraó poderia ter tido seu coração transformado depois assim como os discípulos tiveram, à exceção de Judas que preferiu continuar endurecido.

 

Mas isso ainda não responde a uma questão central: de que forma Deus endureceu o coração do Faraó? E isso não atesta contra o livre-arbítrio? Paradoxalmente, é um calvinista que nos dá a melhor resposta (arminiana) sobre isso. R. C. Sproul, calvinista convicto a tal ponto de dizer que os que não são deterministas são ateus, foi o mesmo que ofereceu uma das melhores explicações sobre o endurecimento do Faraó, em plena concordância com o pensamento arminiano, contra aquilo que ele considera “hipercalvinismo”. Ele disse:

 

“O endurecimento ativo envolveria a intervenção direta de Deus nas câmaras internas do coração do Faraó. Deus irromperia no coração do Faraó e criaria nele um mal adicional. Isto garantiria que Faraó produziria o resultado que Deus estava procurando (...) O endurecimento passivo é uma história totalmente diferente. O endurecimento passivo envolve um julgamento divino sobre o pecado que já está presente. Tudo o que Deus tem a fazer para endurecer o coração de uma pessoa cujo coração já é desesperadamente mau é ‘entregá-la a seu pecado’. Encontramos este conceito de julgamento divino em toda a Escritura”[91]

 

Depois ele afirma:

 

“Não é que Deus coloque sua mão sobre elas para criar o mal novo em seus corações; Ele meramente remove delas sua santa mão de restrição, e deixa que façam sua própria vontade (...) Tudo o que Deus tinha a fazer para endurecer mais a Faraó era remover seu braço. As inclinações malignas de Faraó fizeram o restante”[92]

 

Em outras palavras, o que até mesmo os calvinistas mais sensatos concordam é que este endurecimento do Faraó partiu em primeiro lugar do coração do próprio Faraó, e que Deus apenas “o entregou” a esta condição de endurecimento, o que seria um endurecimento passivo e não ativo. Faraó foi o agente ativo de seu próprio endurecimento.

 

Mas encontramos este conceito na Bíblia?

 

Sim, encontramos. Biblicamente, o Faraó endureceu seu próprio coração cinco vezes antes de a Bíblia dizer que Deus o endureceu. Vejamos alguns casos:

 

“Vendo, pois, Faraó que havia descanso, endureceu o seu coração, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito” (Êxodo 8:15)

 

“Mas endureceu Faraó ainda esta vez seu coração, e não deixou ir o povo” (Êxodo 8:32)

 

B. W. Johnson corretamente observa:

 

“Cinco vezes é dito dele que ele mesmo endureceu, ou tornou pesado seu coração (Êx 7.13; 7.22; 8.15; 8.32; 9.7), antes da vez quando é finalmente dito que Deus o endureceu (Êx 9.12), e mesmo depois disso é dito que ele endureceu a si mesmo (Êx 9.34). Assim ele inicialmente fechou seu próprio coração aos apelos de Deus; ficou mais firme pela resistência obstinada sob os julgamentos de Deus, até que finalmente Deus, como punição por sua rejeição obstinada do direito, entregou-o à sua louca insensatez e afastou seu julgamento”[93]

 

À luz dos dados bíblicos, a conclusão de Calvino de que “o conselho secreto de Deus é a causa do endurecimento”[94] é completamente errônea. Faraó foi a causa e o responsável pelo seu próprio endurecimento, e Deus apenas o entregou a esta condição. Deus não agiu contra o livre-arbítrio de Faraó, mas através do livre-arbítrio dele. Faraó não era um homem bonzinho, gente do bem, camarada, com um bom coração, cheio de benignidade e compaixão e completamente disposto a deixar que toda a sua mão-de-obra forçada deixasse o seu país porque um escravo egípcio e um fugitivo estavam gentilmente pedindo isso.

 

Pelo contrário: como alguém já declarou certa vez, o Faraó era o “Hitler” da antiguidade. Ele não tinha um bom coração disposto a deixar livremente que os israelitas fugissem. Deus respeitou o livre-arbítrio do Faraó e o entregou a esta condição. Faraó já era orgulhoso, soberbo e ímpio muito antes de Moisés e Arão começarem toda a história. Foram as suas escolhas que o levaram a isso, e não “o conselho secreto de Deus”. Deus não faz o homem ímpio; o próprio homem que se faz ímpio (Ec.7:29). Deus nunca agiu contrário ao livre-arbítrio do Faraó.

 

Como disse John Murray, “o endurecimento de Faraó, não esqueçamos, reveste-se de caráter judicial. Pressupõe a entrega ao mal e, no caso de Faraó, particularmente à entrega ao mal de seu auto-endurecimento”[95]. Esta “entrega” da parte de Deus é o mesmo que Paulo escreveu aos romanos, quando disse que “Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos dos seus corações, para a degradação dos seus corpos entre si” (Rm.1:24). Não é que Deus tenha determinado que eles cometessem impureza sexual, mas sim que, por tanto resistirem à graça, esta graça se afastou deles, de modo que agora eles estão “entregues” a este fim.

 

Norman Geisler e Thomas Howe são outros que tratam desta questão em seu “Manual de Dúvidas, Enigmas e ‘Contradições’ da Bíblia”. Eles escreveram:

 

“Deus não endureceu o coração de Faraó contrariamente ao que o próprio Faraó por sua livre vontade determinou. A Escritura deixa claro que Faraó endureceu o seu coração. Ela declara que ‘o coração de Faraó se endureceu’ (Êx 7:13), que Faraó ‘continuou de coração endurecido’ (Êx 8:15) e que ‘o coração de Faraó se endureceu’ (Êx 8:19). Novamente, quando Deus enviou a praga das moscas, ‘ainda esta vez endureceu Faraó o coração’ (Êx 8:32). Esta frase, ou uma equivalente, é repetida vez após vez (cf. Êx 9:7, 34-35). De fato, exceto quando Deus  o que aconteceria (Êx 4:21), Faraó foi quem endureceu o seu próprio coração em primeiro lugar (Êx 7:13; 8:15 ; 8:32 etc), e só mais tarde Deus o endureceu (cf. Êx 9:12; 10:1, 20, 27). Além disso, o sentido em que Deus endureceu o coração de Faraó é semelhante ao modo pelo qual o sol endurece o barro ou derrete a cera. Se Faraó tivesse sido receptivo às advertências de Deus, o seu coração não teria sido endurecido por Deus. Mas quando Deus dava alívio de cada praga, Faraó tomava vantagem da situação. ‘Vendo, porém, Faraó que havia alívio, continuou de coração endurecido, e não os [a Moisés e Arão] ouviu, como o Senhor tinha dito’ (Êx 8:15)”[96]

 

Em seguida, eles montam uma tabela onde explicam em que sentido que Deus “endureceu” o coração do Faraó:

 

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Além disso, Laurence Vance faz uma importante observação:

 

“Se o decreto da reprovação era eterno, o que Deus estava fazendo endurecendo o coração de Faraó no tempo e em várias ocasiões se ele já foi predestinado ao inferno? Ele estava fazendo mais firme sua reprovação e condenação?”[97]

 

De fato, a questão do “endurecimento do Faraó” é um problema muito maior para os calvinistas do que para os arminianos. Se tudo já foi pré-determinado por Deus na eternidade, então não há qualquer razão ou lógica em endurecer o coração de alguém que já foi predestinado a pecar e a ir para o inferno. Não há como tornar este decreto “mais certo”, e por isso seria inútil qualquer forma de endurecimento ativo em alguém que já estava de qualquer maneira predestinado a tomar aquelas atitudes, e que não poderia fazer nada de si mesmo para lutar contra elas.

 

É digno de nota que em quase todas as vezes onde a Bíblia mostra alguém “cego” ou “endurecido”, ela coloca o próprio homem como sendo o agente ativo. Lucas, por exemplo, escreveu em Atos:

 

“Quando Paulo lhes impôs as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e começaram a falar em línguas e a profetizar. Eram ao todo uns doze homens. Paulo entrou na sinagoga e ali falou com liberdade durante três meses, argumentando convincentemente acerca do Reino de Deus. Mas alguns deles se endureceram e se recusaram a crer, e começaram a falar mal do Caminho diante da multidão” (Atos 19:6-9)

 

Como vemos, os homens causaram seu próprio endurecimento, ao se recusarem a crer, resistindo à graça que lhes era oferecida. Da mesma forma, ele diz:

 

“E, como ficaram entre si discordes, despediram-se, dizendo Paulo esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías, dizendo: Vai a este povo, e dize: De ouvido ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; e, vendo vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Porquanto o coração deste povo está endurecido, e com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que nunca com os olhos vejam, nem com os ouvidos ouçam, nem do coração entendam, e se convertam, e eu os cure” (Atos 28:25-27)

 

O texto não diz que Deus lhes fechou os olhos, mas que eles fecharam os seus olhos. Jesus também disse o mesmo, citando o mesmo trecho de Isaías:

 

“Neles se cumpre a profecia de Isaías: ‘Ainda que estejam sempre ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais perceberão. Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e converter-se, e eu os curaria’” (Mateus 13:14,15)

 

Outras vezes este endurecimento parte de Satanás, mas somente porque encontra um coração receptivo a isso no homem. Por isso Paulo escreve que “o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Co.4:4). O “deus deste século” é, obviamente, Satanás. Portanto, as pessoas endurecem a si mesmas quando aceitam o endurecimento instigado por Satanás. Deus apenas as entrega a este fim quando, depois de repetidas vezes, elas resistem à graça.

 

 

• Os vasos de desonra

 

Prosseguindo a leitura, Paulo diz:

 

“Mas algum de vocês me dirá: ‘Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?’ Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’ O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Romanos 9:19-24)

 

Paulo começa refutando um interlocutor oculto que poderia pensar que Deus é injusto por escolher uma nação à outra, um grupo à outro, por ditar as regras do jogo. Se Deus escolheu estabelecer um pacto com um grupo e não com outro, por que este que não foi escolhido deve ser considerado culpado? Se não foi da vontade de Deus que ele estabelecesse um pacto com outro povo, ninguém poderia resistir a esta vontade soberana.

 

Paulo sabia bem as consequencias deste pensamento, pois estava prestes a concluir sua argumentação em favor da inclusão dos gentios em um Novo Pacto, a partir de uma descendência espiritual de Abraão, ao invés de uma descendência natural. Mas, se Deus decidiu “endurecer” (entregar ao endurecimento) um grupo de israelitas incrédulos e exercer misericórdia sobre outro grupo (a descendência espiritual de Abraão, que inclui os gentios), ele não estaria sendo injusto por isso?

 

Paulo já havia respondido essa questão no verso 14, dizendo que “de maneira nenhuma” (v.14) Deus seria injusto por isso. Aqui ele começa refutando este pensamento mostrando que, em primeiro lugar, não somos nada para questionar a Deus (v.20). Em seguida, ele passa a contra-argumentar essa tese, fazendo uma analogia com o oleiro e o vaso. Se o oleiro tem o direito de fazer um vaso para um fim e outro vaso para outro fim, quanto mais Deus teria tal direito.

 

Isso significa que Deus tem o direito de fazer isso caso quisesse, mas não significa que Deus decidiu agir assim. O verso seguinte (v.22) lança mais luz ao que Paulo estava dizendo, sobre Deus suportar com grande paciência os vasos preparados para a destruição. Isso implica, logicamente, que Deus é longânimo para com eles, “não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe.3:9). Paulo não precisou entrar mais a fundo neste ponto porque ele já havia feito isso no capítulo 2, quando disse:

 

“Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento? Contudo, por causa da sua teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” (Romanos 2:4,5)

 

Em outras palavras, como Paulo já havia dito a eles, essa paciência e tolerância de Deus, em suportar os incrédulos por muito tempo, tem como finalidade levá-los ao arrependimento. Isso derruba a tese calvinista de que esses vasos de desonra já estavam fadados à morte eterna. Se fosse assim, Deus não estaria buscando levá-os ao arrependimento.

 

O que Paulo está dizendo é que a razão pela qual Deus é longânimo para com os incrédulos é porque Ele lhes está dando tempo para se arrependerem. Se não se arrependerem, eles serão condenados pela própria “teimosia do seu coração obstinado” (v.5), que se recusa a se arrepender, e não porque Deus os tenha decretado a este fim. Norman Geisler também destaca este texto e diz:

 

“Essa passagem sugere que os ‘vasos de ira’ são objeto da ira porque se recusam a se arrepender. Eles não estão desejosos de trazer honra a Deus, de forma que se tornam objeto da ira de Deus. Isso é evidente pelo fato de que são suportados por Deus com grande paciência (Rm 9.22). Isso sugere que Deus estava esperando pacientemente por seu arrependimento”[98]

 

Laurence Vance acrescenta que “vasos são feitos vazios, e trazem honra ou desonra (2Tm 2.20) conforme o que é colocado neles. Deus não cria ninguém honroso ou desonroso”[99]. Em outras palavras, há a possibilidade de que alguém que é um “vaso de desonra” (um incrédulo dentre os israelitas, naquele contexto) se torne um “vaso de honra”, caso se arrependa de seus pecados e creia em Cristo. Há pelo menos outros três textos bíblicos que deixam este conceito claro. Um deles é do próprio Paulo ao escrever a Timóteo, dizendo:

 

“Numa grande casa há vasos não apenas de ouro e prata, mas também de madeira e barro; alguns para fins honrosos, outros para fins desonrosos. Se alguém se purificar dessas coisas, será vaso para honra, santificado, útil para o Senhor e preparado para toda boa obra” (2ª Timóteo 2:20,21)

 

Ele não diz que este “alguém” já é um vaso de honra. Ao contrário: diz que caso se purifique dessas coisas (i.e, do pecado) será (verbo no futuro!) um vaso de honra. Isso obviamente implica que um vaso de desonra, que hoje vive no pecado, pode vir a se arrepender e se tornar um vaso de honra. Isso também está nitidamente presente em um texto do profeta Jeremias, onde essa mesma analogia é feita por Deus:

 

“Esta é a palavra que veio a Jeremias da parte do Senhor: ‘Vá à casa do oleiro, e ali você ouvirá a minha mensagem’. Então fui à casa do oleiro, e o vi trabalhando com a roda. Mas o vaso de barro que ele estava formando se estragou-se em suas mãos; e ele o refez, moldando outro vaso de acordo com a sua vontade. Então o Senhor dirigiu-me a palavra: ‘Ó comunidade de Israel, será que não posso eu agir com vocês como fez o oleiro?’, pergunta o Senhor. ‘Como barro nas mãos do oleiro, assim são vocês nas minhas mãos, ó comunidade de Israel. Se em algum momento eu decretar que uma nação ou um reino seja arrancado, despedaçado e arruinado, e se essa nação que eu adverti converter-se da sua perversidade, então eu me arrependerei e não trarei sobre ela a desgraça que eu tinha planejado. E, se noutra ocasião eu decretar que uma nação ou um reino seja edificado e plantado, e se ele fizer o que eu reprovo e não me obedecer, então me arrependerei do bem que eu pretendia fazer em favor dele’” (Jeremias 18:1-10)

 

O ponto de Paulo em Romanos 9:21-24 é exatamente o mesmo, incluindo o uso da mesma analogia, de Jeremias 18:1-10. Deus diz que pode remodelar os israelitas assim como o oleiro faz com o vaso de barro, dependendo das atitudes dos próprios israelitas. Em outras palavras, se eles obedecerem a Deus, Ele os converterá em vasos de honra; se, porém, alguém fizer o que Deus reprova, se tornará um vaso de desonra.

 

Está perfeitamente claro que não havia ideia de um vaso que já está fixamente determinado como sendo de honra ou de desonra, como se Deus tivesse desde a eternidade definido quem estaria no Céu e quem estaria fadado ao inferno. Nenhum vaso já estava predeterminado a ser de honra ou predeterminado a ser de desonra. Os vasos se tornavam de honra ou desonra em função das atitudes de cada um.

 

Sendo assim, um vaso de honra poderia se tornar de desonra, assim como um de desonra poderia se purificar do pecado e se tornar um vaso de honra. Vance tinha razão quando disse que “quando um homem está reservado, apontado, ou ordenado para condenação, é sempre por causa de algo que ele fez, não por um decreto eterno da reprovação”[100].

 

A analogia com os vasos de barro é completamente oposta ao que ensinam os calvinistas. Paulo não estava de forma alguma ensinando que Deus determinou na eternidade que alguém seria um vaso de honra e outra pessoa seria um vaso de desonra, e que não há nada que estes vasos possam fazer para mudarem isso. Pelo contrário: à luz do ensinamento tanto do Antigo como do Novo Testamento, tal analogia nos mostra que Deus respeita as livres escolhas do homem para moldar ou remodelar um vaso, de modo que tanto a conversão quanto a apostasia são possíveis.

 

Os vasos de honra estão “preparados para a glória”, se não se desviarem e se tornarem vasos de desonra. Da mesma forma, os vasos de desonra estão “preparados para a destruição”, se não se arrependerem e se tornarem vasos de honra. É este o conceito bíblico, que difere de forma radical da teologia calvinista, onde vasos de honra e de desonra já são definidos desde a eternidade e são conceitos fixos, imutáveis, que jamais poderão ser remodelados para que se tornem outra coisa, contrariando gritantemente os textos bíblicos (Je.18:1-10; 2Tm.2:20,21; Rm.11:17-24).

 

Outro texto que nos mostra de forma clara que o conceito de “vaso de honra” ou “vaso de desonra” não é algo fixo está também na mesma epístola aos romanos. Paulo lhes disse:

 

“Se alguns ramos foram cortados, e você, sendo oliveira brava, foi enxertado entre os outros e agora participa da seiva que vem da raiz da oliveira, não se glorie contra esses ramos. Se o fizer, saiba que não é você quem sustenta a raiz, mas a raiz a você. Então você dirá: ‘Os ramos foram cortados, para que eu fosse enxertado’. Está certo. Eles, porém, foram cortados devido à incredulidade, e você permanece pela fé. Não se orgulhe, mas tema. Pois se Deus não poupou os ramos naturais, também não poupará você. Portanto, considere a bondade e a severidade de Deus: severidade para com aqueles que caíram, mas bondade para com você, desde que permaneça na bondade dele. De outra forma, você também será cortado. E quanto a eles, se não continuarem na incredulidade, serão enxertados, pois Deus é capaz de enxertá-los outra vez. Afinal de contas, se você foi cortado de uma oliveira brava por natureza e, de maneira antinatural, foi enxertado numa oliveira cultivada, quanto mais serão enxertados os ramos naturais em sua própria oliveira? (Romanos 11:17-24 )

 

Paulo traça aqui outra analogia, que é muito semelhante à analogia dos vasos de barro. Ele deixa claro, mais uma vez, que os que foram “enxertados” e hoje fazem parte do Corpo de Cristo (os vasos de honra) podem ser cortados da mesma forma que os judeus incrédulos (vasos de desonra) foram cortados. Ele também diz que aqueles que foram cortados (vasos de desonra) podem ser enxertados outra vez (tornando-se vasos de honra), se não continuarem na incredulidade.

 

O quadro comparativo a seguir ilustra bem isso:

 

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O problema do calvinista é que ele lê tudo de forma isolada, superficial, desrespeitando o contexto e as regras da exegese. Se ele se preocupasse em ler o contexto geral, iria perceber que suas interpretações distorcidas já foram refutadas há muito tempo, pelo próprio apóstolo Paulo, e na mesma epístola aos romanos!

 

Muita coisa do que Paulo escreveu em Romanos 9 ele já tinha abordado antes ou voltou a abordar depois, explicando melhor suas analogias. Mas o calvinista que tira Romanos 9 grosseiramente do seu contexto e o interpreta de acordo com as lentes da sua teologia não percebe isso. Como consequencia disso, ele comete disparates exegéticos que não se comparam com nada na teologia. Uma leitura superficial, leviana e isolada em Romanos 9 pode parecer algum favorecimento ao calvinismo. Uma leitura séria, honesta e exegética refuta o próprio calvinismo.

 

 

• Conclusão

 

O apóstolo Paulo conclui o seu pensamento em Romanos 9 da seguinte maneira:

 

“Que diremos, então? Os gentios, que não buscavam justiça, a obtiveram, uma justiça que vem da fé; mas Israel, que buscava uma lei que trouxesse justiça, não a alcançou. Por que não? Porque não a buscava pela fé, mas como se fosse por obras. Eles tropeçaram na ‘pedra de tropeço’’. Como está escrito: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha que faz cair; e aquele que nela confia jamais será envergonhado’” (Romanos 9:30-33)

 

Como vemos, a conclusão de todo o discurso de Paulo não era que Deus predestina um indivíduo ao Céu e outro ao inferno, e sim que a eleição de Israel era irrevogável e que hoje permanece no Israel da promessa, que é a descendência espiritual de Abraão, que inclui os israelitas que creem e os gentios que creem – o que nós chamamos de ekklesia, a Igreja, o Corpo místico de Cristo.

 

Foi essa a conclusão de Paulo, e foi issoo que ele argumentou ao longo de todo aquele capítulo. Nunca uma predestinação individual à salvação ou perdição esteve em jogo em Romanos 9, pois não era este o ponto de Paulo, não era a isso que ele queria levar. Sempre o que esteve em jogo foi a eleição de Israel à luz da inclusão dos gentios no Novo Pacto – uma eleição corporativa. O calvinista que tenta tirar Romanos 9 do seu contexto para defender uma espécie de predestinação individual à salvação é ou ignorante ou desonesto[101].

 

 

• O Livro da Vida

 

Muita discussão tem sido feita sobre se um salvo pode ou não pode perder a salvação, se ele pode ou não pode ter seu nome riscado no livro da vida. Deixarei essa discussão para o capítulo 7 deste livro. Por hora, cabe abordarmos a questão sobre quando que estes nomes são escritos no livro, que é o que nos interessa neste capítulo sobre a predestinação.

 

Para os calvinistas, é óbvio que Deus escreve desde antes da fundação do mundo, pois ele os predestina antes da fundação do mundo. Calvino, por exemplo, disse enfaticamente que nós “não devemos duvidar que Deus tenha registrado os nossos nomes antes que o mundo fosse feito”[102]. Já para os arminianos, isso ocorre somente a partir do momento da conversão do indivíduo, não porque Deus não saiba que ele irá se converter, mas porque ele respeita as livres decisões do homem, que pode escrever sua própria história[103].

 

A pergunta que fica é: a Bíblia diz que os nomes começam a ser escritos no livro desde a fundação do mundo (arminianismo) ou antes da fundação do mundo (calvinismo)? O apóstolo João nos responde a isso, no Apocalipse:

 

“A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição; e os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão, vendo a besta que era e já não é, ainda que é” (Apocalipse 17:8)

 

Comentando este texto, o pastor Ciro Sanches disse:

 

“Há uma enorme diferença entre antes da e desde a. No grego, o termo apo significa ‘a partir de’. Segue-se que a expressão ‘desde a fundação do mundo’ denota que os nomes dos salvos vêm sendo inseridos no livro da vida desde que o homem foi colocado na terra fundada, criada por Deus (Gn 1), e não que haja uma lista previamente pronta antes que o mundo viesse a existir”[104]

 

Se os nomes começam a ser escritos no livro da vida desde a fundação do mundo, isto é, a partir daquele momento, então eles não foram já previamente escritos antes dele, como cria Calvino e como creem os calvinistas. E se os nomes dos salvos não são escritos antes da fundação do mundo, então eles não foram definidos por Deus na eternidade, em uma predestinação e escolha arbitrária de indivíduos.

 

Antes da fundação do mundo foi definido que quem cresse em Cristo seria salvo (eleição corporativa), e não quem individualmente creria. Individualmente falando, o nome de cada pessoa só é escrito quando ela se converte, porque nada foi definido de antemão a respeito dela.

 

 

• Considerações Finais

 

A predestinação, em um conceito bíblico, é simples. Quem crer será um vaso de honra, enxertado na oliveira e estará predestinado à salvação. Quem não crer será um vaso de desonra, excluído da oliveira e estará predestinado à perdição. Deus não escolhe um indivíduo arbitrariamente e decide tudo a respeito dele, mas garante o que ele será caso ele persevere até o fim no caminho que ele decidiu seguir, seja para a vida, seja para a morte.

 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

 

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli.

 



[1] Sermão sobre a Eleição, p. 6. Disponível em: <http://www.projetospurgeon.com.br/wp-content/uploads/2012/07/ebook_eleicao_calvino.pdf>

[2] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[3] “Importante” em termos primários, relativos à salvação. Ela não é importante em relação a isso, senão teria sido insistentemente pregada por todos os apóstolos, e não em apenas duas ocasiões, sendo citada somente quatro vezes. Como doutrina secundária, ela pode ser considerada “importante” tanto quanto outros temas secundários que permeiam a fé.

[4] Institutas, 3.21.1.

[5] Institutas, 3.23.1.

[6] Institutas, 3.23.1.

[7] Institutas, 3.24.12.

[8] João Calvino, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeil, trad. Ford Lewis Battles (Philadelphia: The Westminster Press, 1960), p. 926 (III.xxi.5).

[9] Sermão sobre a Eleição, p. 6. Disponível em: <http://www.projetospurgeon.com.br/wp-content/uploads/2012/07/ebook_eleicao_calvino.pdf>

[10] Institutas, 3.24.12.

[11] Institutas, 3.21.1.

[12] Institutas, 3.24.12.

[13] Institutas, 3.21.1.

[14] Institutas, 3.21.7.

[15] Institutas, 3.23.1.

[16] Institutas, 3.23.7.

[17] Hino de Charles Wesley, citado em Gordon H. Clark, Presbyterians, p. 40.

[18] Sínodo de Dort, Cânon I, Artigo 6.

[19] Confissão de Fé de Westminster, 3:3.

[20] Confissão de Fé de Westminster, 3:4.

[21] Boettner, Predestination, p. 105.

[22] Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 83.

[23] Homer Hoeksema, Unconditional Election, p. 36.

[24] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 101.

[25] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 101.

[26] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 103.

[27] Hino Batista particular, citado em George L. Bryson, The Five Points Of Calvinism (Costa Mesa: The Word for Today, 1996), p. 333.

[28] WESLEY, John. Graça Livre, XV.

[29] John Wesley, “Predestination Calmly Considered,” em The Works of John Wesley, Vol. 10, Letters, Essays, Dialogs and Addresses (Grand Rapids: Zondervan, n.d.), p. 221.

[30] “James” é um nome inglês para “Tiago”.

[31] Rei Tiago da Inglaterra, citado em Works of Arminius, vol. 1, p. 213.

[32] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[33] Nova Versão Internacional.

[34] Almeida Corrigida, Revisada e Fiel.

[35] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 48.

[36] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 26.

[37] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 97.

[38] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 298.

[39] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 131.

[40] John Owen, The Death of Death in the Death of Christ, p. 115.

[41] WATSON, Richard. Theological Institutes. New York: Lane e Scott, 1851. v. 2, p. 339.

[42] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 52.

[43] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 95.

[44] De acordo com a Concordância de Strong, 1577.

[45] Concordância de Strong, 949.

[46] Institutas, 1.6.1.

[47] Institutas, 4.1.10.

[48] ARMINIUS, “Declaration of Sentiments”, v. 1, p. 653.

[49] Life in the Spirit Study Bible, 1854-1855 pp.

[50] LIMBORCH, Philip., trad. William Jones. London: John Darby, 1713, p. 343.

[51] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[52] KLEIN, William. The New Chosen People (Eugene, OR; Wipf & Stock, 2001), p. 257.

[53] KLEIN, William. The New Chosen People (Eugene, OR; Wipf & Stock, 2001), p. 259.

[54] KLEIN, William. The New Chosen People (Eugene, OR; Wipf & Stock, 2001), p. 265.

[55] KLEIN, William. The New Chosen People (Eugene, OR; Wipf & Stock, 2001), p. 265.

[56] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 88.

[57] ZIBORDI, Ciro Sanches. Crer na predestinação e no livre-arbítrio não é um contra-senso (1). Disponível em: <http://cirozibordi.blogspot.com.br/2008/07/internauta-opina-14.html>

[58] ZIBORDI, Ciro Sanches. Que tipo de cristãos somos nós? Disponível em: <http://cirozibordi.blogspot.com.br/2009_07_01_archive.html>

[59] SHANK, Robert. Eleito no Filho, p. 48.

[60] Manford E. Kober, Divine Election or Human Effort? p. 44.

[61] CRAIG, William Lane. Doutrina da Salvação – Parte 3 – Arminianismo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NIshOGmcl5k#t=123>

[62] CRAIG, William Lane. Doutrina da Salvação – Parte 3 – Arminianismo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NIshOGmcl5k#t=123>

[63] CRAIG, William Lane. Doutrina da Salvação – Parte 3 – Arminianismo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NIshOGmcl5k#t=123>

[64] Institutas, 3.24.9.

[65] Institutas, 3.22.7.

[66] Institutas, 3.24.9.

[67] De acordo com a Concordância de Strong, 1492.

[68] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 235.

[69] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 145-146.

[70] WESLEY, John. The Works of The Reverend John Wesley, volume VII, New York, 1835, p. 480-481.

[71] John William McGarvey, New Commentary on Acts of Apostles, Vol. 2, pp. 29-33.

[72] Adam Clarke, Comentários sobre At 13.48, Adam Clarke’s Commentary on the Bible.

[73] Richard Watson, An Examination of Certain Passages of Scripture, Supposed to Limit the Extent of Christ's Redemption, Theological Institutes, Cap.27.

[74] J. R. Lumby, The Cambridge Bible, The Acts of The Apostles, p. 168.

[75] J. O. Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion, v. 2, p. 152-3.

[76] Dean Alford, New Testament for English Readers, Vol. I, parte II, p. 745.

[77] Howard Marshall, Kept by the Power of God, p. 93-94.

[78] John William McGarvey, New Commentary on Acts of Apostles, Vol. 2, pp. 29-33.

[79] R. J. Knowling, The Expositor’s Greek Testament, The Acts, p. 300.

[80] Neste texto, “amar” e “odiar” é um hebraísmo para “aceitar” e “rejeitar”. Deus aceitou a nação de Israel (a escolheu como propriedade sua nos tempos do Antigo Testamento) e rejeitou a de Edom, assim como os demais gentios, que não foram escolhidos como a nação eleita de Deus. De fato, embora os calvinistas em geral creiam que Deus tem um amor menor pelos não-eleitos, são poucos os que creem que ele os “odeia”, como diz o texto. A maioria reconhece que aqui se trata de um hebraísmo para aceitação ou rejeição. É por isso que a NVI traduz por “rejeitar”, ao invés de “odiar”, mesmo tendo tendências calvinistas.

[81] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 96.

[82] J. Oliver Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1962), vol. 2, p. 149.

[83] John Wesley, “Predestination Calmly Considered,” em The Works of John Wesley, Vol. 10, Letters, Essays, Dialogs and Addresses (Grand Rapids: Zondervan, n.d.), p. 237.

[84] Pr. Thomas Tronco dos Santos. Se o calvinismo está errado, como entender Atos 13:48, além de outros textos? Disponível em: <http://www.internautascristaos.com/videos/debates/calvinismo>

[85] Institutas, 3.21.7.

[86] Sanday e Headlam, Romans, p. 245.

[87] G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: Divine Election (Grand Rapids: Eerdmans, I960), p. 212.

[88] Bíblia Sheed de Estudo.

[89] Este assunto voltará a ser abordado  com mais profundidade no apêndice 1 deste livro.

[90] É lógico que o fato de a misericórdia salvífica de Deus se estender a todas as criaturas não significa que todas as criaturas serão salvas, e sim que todas as criaturas podem ser salvas; isto é, que Deus possibilitou e disponibilizou salvação a todos, tendo misericórdia de cada indivíduo em particular, mas isso não significa que este indivíduo será forçado a crer para ser salvo, pois ele ainda tem que receber e aceitar a graça preveniente, e ainda pode rejeitá-la ou recusá-la.

[91] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 106.

[92] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 107.

[93] B. W. Johnson, The People’s New Testament. Disponível em: <http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/15-b-w-johnson/18-b-w-johnson-romanos-9>

[94] Institutas, 3.23.1.

[95] John Murray, Romanos, 1ª edição (São José dos Campos: Editora Fiel, 2003), p. 391.

[96] GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.

[97] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[98] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 106.

[99] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[100] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[101] É claro que nem todos os calvinistas são ignorantes ou desonestos em relação a Romanos 9, porque nem todos creem que Paulo estava tratando de predestinação individual à salvação ali. Charles Hodge, por exemplo, disse que “o apóstolo tem em vista a incredulidade de Israel e a longanimidade com que Deus tolera esta incredulidade” (Romans, p. 321).

[102] Sermão sobre a Eleição, p. 7. Disponível em: <http://www.projetospurgeon.com.br/wp-content/uploads/2012/07/ebook_eleicao_calvino.pdf>

[103] Lembremos mais uma vez que a presciência de Deus não é causativa. O que causa os acontecimentos são as escolhas do homem. Por isso, embora Deus saiba quem irá ser salvo e quem irá se perder, ele decide escrever os nomes no livro somente a partir do momento da conversão de cada um, que é quando de fato alguém passa a ser salvo.

[104] ZIBORDI, Ciro Sanches. Depois de salvo, alguém pode ter o nome riscado do livro da vida? Disponível em: <http://cirozibordi.blogspot.com.br/2008/07/o-que-o-livro-da-vida.html>

 

 

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