OS PAIS DA IGREJA CONTRA O PRÉ-TRIBULACIONISMO

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Antes de estudarmos aquilo que os Pais da Igreja tinham a nos dizer sobre arrebatamento, grande tribulação e volta de Jesus, será necessário analisarmos brevemente as visões mais comuns sobre o Apocalipse, sendo elas:

 

Pré-Tribulacionismo. Ensino criado por John Darby no século XIX, que disse que a Igreja será arrebatada antes da tribulação em uma volta secreta de Jesus para buscar somente a Igreja e a levar ao Céu. Aqui na terra ficarão os ímpios durante sete anos – alguns deles acreditam que ficarão sem a presença do Espírito Santo, que será tirado da terra – e, ao fim deles, Jesus volta de novo, dessa vez de forma visível, quando todo olho o verá. Para isso, eles precisam encaixar uma ressurreição pré-tribulacionista que ocorre antes da volta secreta de Jesus, e depois outras duas que ocorrerão ao fim da grande tribulação.

 

Midi-Tribulacionismo. É ainda mais recente que o pré-tribuacionismo, pois buscou conciliar ambos os pontos (pré e pós), se colocando entre eles. Para os midi-tribulacionistas, a Igreja será arrebatada no meio dos sete anos de tribulação. Esse ponto de vista, porém, se equipara muito ao pré-tribulacionista, pois também ensina a existência de três ressurreições e de duas fases da segunda vinda de Cristo, uma secreta e outra visível, com a diferença de que a vinda secreta ocorre no meio e não no início da tribulação.

 

Pós-Tribulacionismo. É a visão bíblica, é a que foi crida unanimemente por todos os primeiros cristãos e por todos os Pais da Igreja durante séculos, e também por todos os Reformadores – como Lutero e Calvino – até a época de Darby. Alguns pré-tribulacionistas não aceitam isso, mas simplesmente não conseguem oferecer sequer uma única fonte documental de qualquer cristão que tenha vivido antes do século XIX e que tenha ensinado uma vinda secreta de Jesus antes da tribulação e um arrebatamento secreto da Igreja sem passar por ela. Essa visão é simples: existe uma única volta de Jesus, visível e ao final da tribulação; também há somente duas ressurreições, que são as que João relatou em Apocalipse 20:4-5.

 

Para reforçarmos o fato de que os primeiros cristãos não criam no arrebatamento secreto da Igreja, iremos passar a estudar agora os escritos destes que são considerados “Pais da Igreja”, por terem sido aqueles que sucederam os apóstolos e muitos dos quais conviveram de perto com eles. Começaremos estudando a Didaquê, conhecida como a “Doutrina dos Doze Apóstolos”, que é datada entre 70 – 90 d.C.

 

 

• Didaquê (70 – 90 d.C)

 

Este é provavelmente o mais importante documento pós-apostólico na história da Igreja, pois é datado de época muito remota, ainda no século I, quando ainda alguns apóstolos estavam vivos, e que resume em dezesseis capítulos as crenças cristãs daquele tempo. O último capítulo é o que desperta maior interesse nosso, pois é o que trata especificamente sobre escatologia, sobre os acontecimentos dos últimos dias. Ele diz:

 

“De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se converterá em ódio. Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo. Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam. Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos. Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: ’O Senhor virá e todos os santos estarão com ele’. Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu”[1]

 

O que a Didaquê diz nos trechos acima é exatamente aquilo que os pós-tribulacionistas ensinam. Além de ela não mencionar absolutamente nada de arrebatamento secreto, volta de Jesus ou ressurreição dos mortos antes da grande tribulação, ela ainda é clara em afirmar que toda criatura humana passará pela prova do fogo, que, diante do contexto, não resta dúvidas de que se trata da grande tribulação. Ela não diz que só os ímpios passarão pela tribulação, mas toda criatura humana, sem mencionar nenhum arrebatamento da Igreja antes disso!

 

Como se isso não fosse suficientemente claro, ela ainda diz que aqueles que permanecerem firmes neste contexto da tribulação (“prova do fogo”) serão salvos ao fim dela, fazendo alusão ao que Jesus disse em Mateus 24:13 – “aquele que perseverar até o fim será salvo”. Não é o ensino de que o crente será arrebatado antes de passar pela tribulação, mas sim de que será salvo depois de perseverar até o fim na tribulação!

 

Mas o mais importante foi mesmo reservado para a última declaração do livro, onde a Didaquê sintetiza os últimos acontecimentos: primeiro, o sinal da abertura no Céu, que se refere ao sinal da volta de Jesus (Mt.24:30), sendo seguido pelo toque da trombeta e pela ressurreição dos mortos. Essa ressurreição obviamente se refere a uma ressurreição pós-tribulacionista, pois está situada após a volta visível de Jesus. Ela nada fala sobre uma volta de Jesus ou sobre uma ressurreição que ocorra antes da tribulação, como os pré-tribulacionistas creem, o que seria da maior importância para ter sido omitido.

 

 

• Justino (100 - 165 d.C)

 

Em seu Diálogo com Trifão, Justino, que viveu na segunda era apostólica, deixou claro que os cristãos passarão pela grande tribulação:

 

“Dois adventos de Cristo tem sido anunciados: um, no qual Ele veio como sofredor, despido de sua glória, honra, e foi crucificado; mas a outra, na qual Ele virá do céu com glória, quando o homem da apostasia, que fala coisas altivas contra o Altíssimo, se atrever a cometer iniquidades contra nós, cristãos, contra nós que, conhecendo a religião através da lei e da palavra que saiu de Jerusalém pela obra dos apóstolos de Jesus, nos refugiamos no Deus de Jacó e no Deus de Israel (...) Agora é evidente que ninguém pode atemorizar ou subjugar a nós que temos crido em Jesus no mundo. Porque esse plano é que através da perseguição, crucificados, e lançados às feras da terra, às chamas, e fogo, e todas as outras formas de tortura (...) porém, enquanto mais essas coisas acontecem, mais outros em grande número vêm à fé e glorificam o nome de Deus através do nome de Jesus”[2]

 

Além de Justino mencionar apenas duas vindas de Cristo (uma há dois mil anos, sem glória; outra no futuro, com glória) sem fazer qualquer alusão a “duas fases” da segunda vinda de Cristo, inventadas por Darby, ele ainda afirma que o anticristo cometerá iniquidades contra nós, os cristãos, o que só pode significar que nós passaremos pela grande tribulação, que nós veremos o anticristo. E ele não estava se referindo a falsos cristãos (pois falsos cristãos nem são cristãos de fato!), mas a cristãos mesmo, tanto é que ele coloca o pronome “nós”, incluindo ele próprio e os demais cristãos aos quais ele escrevia e representava!

 

Esses cristãos são descritos como sendo aqueles que “se refugiam no Deus de Jacó e no Deus de Israel”. Os falsos cristãos não se refugiam no Deus verdadeiro, eles apenas fingem adorar a Deus, mas seu coração está longe dEle. Justino claramente tinha em mente os cristãos verdadeiros, como ele e como as pessoas a quem ele escrevia. É por isso que ele diz que nós (cristãos) passaremos pela perseguição, que ele descreve como sendo o lançamento às feras, o fogo e outras formas de tortura da época. Ele não excluía os cristãos da grande tribulação, ao contrário, os incluía!

 

 

• Irineu de Lyon (130 - 220 d.C)

 

Irineu de Lyon foi um dos mais importantes Pais da Igreja do segundo século e dedicou um capítulo de sua obra mais famosa, chamada “Contra as Heresias”, para abordar os assuntos escatológicos. E ele, como cristão, mostrou saber que a Igreja passará pela grande tribulação:

 

"Uma revelação mais clara ainda acerta dos últimos tempos e dos dez reis, entre os quais será dividido o império que agora domina, foi feita por João, o discípulo do Senhor, no Apocalipse. Explicando o que era os dez chifres vistos por Daniel, refere o que lhe foi dito: 'Os dez chifres que tu viste são dez reis que ainda não receberam o reino, mas que receberão o poder como reis, por uma hora, com a besta. Eles não tem senão um pensamento, o de homenagear a besta com a sua força e o seu poder. Eles combaterão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis'. Esta claro, portanto, que aquele que deverá vir matará três destes dez reis, que os outros se lhe submeterão e que ele será o oitavo entre eles. Eles destruirão Babilônia, reduzi-la-ão a cinzas, darão o seu reino à besta e perseguirão a Igreja mas, em seguida, serão destruídos pela vinda de nosso Senhor"[3]

 

Fica claro, por este texto de Irineu, que a Igreja passará pela grande tribulação, pois os eventos que ele menciona fazem parte do período tribulacionista. Ele diz que a besta perseguirá a Igreja, deixando nítido que a tribulação não será apenas para os israelitas – como creem os pré-tribulacionistas – mas para a própria Igreja, que sempre passou por tribulações em sua história, e não será diferente no futuro. 

 

Irineu também nos diz que nós, cristãos, veremos o anticristo, e que, por essa razão, devemos esperar o cumprimento da profecia:

 

“Porém, conhecendo o número exato declarado pela Escritura, que é o de 666, devem esperar, em primeiro lugar, a divisão do reino em dez; logo, no momento seguinte, quando esses reis estejam governando e começando a colocar seus assuntos em ordem e a desenvolverem seus reinos (deixem que eles saibam), para dar a conhecer aquele que virá reclamando o reino para si mesmo e atemorizará aquelas pessoas de quem temos falado, tendo um nome que consiste no número mencionado anteriormente, isso é realmente a abominação da desolação (...) Então é mais acertado e menos danoso esperar o cumprimento da profecia do que ficar fazendo adivinhações ou predições acerca dos possíveis nomes que este anticristo possa ter, já que se pode encontrar muitos nomes que possam conter o número mencionado; e a mesma interrogação seguirá sem resolução (...) Porém, agora ele indica o número do nome, para que quando este homem venha possamos precaver-nos, estando alertas a respeito de quem ele é[4]

 

Ele deixa claro que a Igreja estará na grande tribulação, pois diz que ela verá o anticristo e a abominação da desolação. Por isso ele diz que nós devemos nos precaver do anticristo, o que não faria qualquer sentido caso ele pensasse que a Igreja seria arrebatada antes da tribulação e nem sequer chegaria a conviver com o anticristo! Como podemos nos precaver do anticristo e ficar alertas a respeito dele se seremos arrebatados antes de ele começar a reinar na tribulação? É evidente que Irineu era pós-tribulacionista, ele não tinha a menor ideia de um arrebatamento pré-tribulacional.

 

Por fim, ele diz que a ressurreição dos justos somente ocorrerá depois do advento do anticristo, e não antes da tribulação, como dizem os pré-tribulacionistas:

 

"Todas estas profecias se referem, sem contestação, à ressurreição dos justos, que se realizará depois do advento do Anticristo e da eliminação de todas as nações submetidas à sua autoridade, quando os justos reinarão sobre a terra, aumentarão pela aparição do Senhor e se acostumarão, por ele, a participar da glória do Pai e, com os santos anjos, participarão da vida, da comunhão e da unidade espirituais, neste reino"[5]

 

Os pré-tribulacionistas afirmam que a ressurreição dos justos ocorrerá no “último dia da dispensação da graça”, o que para eles se refere ao último dia antes da tribulação apocalíptica, antes do advento do anticristo e dos outros eventos da grande tribulação. Irineu, no entanto, afirma explicitamente o contrário: a ressurreição dos justos ocorrerá depois do advento do anticristo e de todos os eventos apocalípticos!

 

 

• Hipólito de Roma (170 - 235 d.C)

 

Hipólito escreveu na passagem do segundo para o terceiro século d.C, é descrito como sendo o maior teólogo romano daquela época e produziu um tratado que trata exclusivamente de escatologia, chamado: “Tratado sobre Cristo e o Anticristo”. Nele, Hipólito deixa claro por diversas vezes que os cristãos passarão pela grande tribulação e que só serão arrebatados depois dela. Ele diz:

 

“Mas como o tempo nos força a considerarmos de imediato a questão proposta, e quanto ao que já foi dito na introdução em relação a glória de Deus, que seja suficiente, é conveniente que tomemos as próprias Escrituras na mão, e por elas achemos o que significa e de que maneira se dará a vinda do anticristo; em que ocasião e em que tempo este ímpio se revelará; de onde e de qual tribo ele sairá; qual o seu nome; o que indica o seu número nas Escrituras; como ele obrará o erro entre os povos, reunindo-os dos confins da terra; como desencadeará a tribulação e a perseguição contra os santos; como vai se auto glorificar como Deus; qual será seu fim; como o repentino aparecimento do Senhor se mostrará no céu; como será a consumação do mundo e o que deve ser o reino glorioso e celeste dos santos, quando reinarem juntos com Cristo, e qual a punição do malvado pelo fogo”[6]

 

Hipólito situa a reunião dos santos como um acontecimento no final da grande tribulação, após a consumação do mundo, e não antes da tribulação. Para reforçar esse pensamento, ele diz que o anticristo desencadeará perseguição contra os santos, que em toda a sua obra se refere aos cristãos. É interessante notar que em momento nenhum de sua extensa obra que trata exclusivamente de escatologia ele faz qualquer alusão a uma volta secreta de Jesus e a um arrebatamento pré-tribulacional, algo que seria da maior importância caso realmente existissem, e que não poderiam ficar de fora.

 

Ele também diz:

 

“Sendo cheio de engano, e elevando-se contra os servos de Deus com o desejo de afligi-los e persegui-los pelo mundo por não darem glória a ele, o anticristo ordenará que todos ofereçam incenso em todos os lugares, de maneira que, a ninguém dentre os santos será possível comprar ou vender sem que primeiro sacrifiquem; este é o significado da marca recebida na mão direita”[7]

 

Com isso ele deixa claro que os servos de Deus, os santos, passarão pela grande tribulação. Ele não faz qualquer menção especial aos israelitas, como fazem os pré-tribulacionistas! Ao contrário, ele identifica os “santos” e “servos de Deus”, que João cita no Apocalipse, como sendo a Igreja:

 

“Sobre a tribulação da perseguição que deve cair sobre a Igreja por parte do adversário, João também assim fala: ‘E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz’”[8]

 

Ele diz que a Igreja será perseguida na grande tribulação e que terá que escapar de cidade e cidade e buscar esconderijo nos desertos e nos montes, por causa do anticristo:

 

O tirano [anticristo] deve reinar e perseguir a Igreja que escapa de cidade em cidade e busca esconderijo nos desertos entre os montes, possuindo nenhuma outra defesa senão as duas asas de uma grande águia, que significa a fé em Cristo Jesus, que estendendo suas mãos sobre esta árvore sagrada, abrindo as duas asas, a esquerda e a direita, chama todos os que nele acreditaram, cobrindo-os como uma galinha e seus pintinhos”[9]

 

 

• Efrém, o Sírio (306 - 373 d.C)

 

Depois de todas as provas apresentadas que apontam unanimemente ao pós-tribulacionismo como a crença unânime dos pais apostólicos, os pré-tribulacionistas tiveram que pesquisar por décadas os escritos de todos os Pais da Igreja para encontrarem uma “brecha” de uma declaração que favorecesse a sua tese.

 

De fato, o pré-tribulacionista Grant Jeffrey disse que ficou mais de uma década estudando os escritos patrísticos e outros documentos históricos da antiguidade para ver se achava qualquer declaração que favorecesse essa teoria moderna, para rebater a afirmação de que nunca, em momento nenhum da história, alguém supôs um arrebatamento pré-tribuacional antes de John Darby, em pleno século XIX.

 

E, depois de mais de uma década procurando, ele achou um único trecho de um único autor e ainda por cima de forma isolada e descontextualizada. Trata-se de um texto recentemente descoberto e atribuído por alguns a Efrém da Síria, que diz que “os santos e escolhidos serão reunidos antes da tribulação que há de vir, e serão levados ao Senhor para não verem a confusão que dominará o mundo por causa dos pecados”.

 

Foi o suficiente para que alguns pré-tribulacionistas fizessem a festa por terem achado um único trecho de um único autor contradizendo toda a história de séculos de Cristianismo apostólico unanimemente pós-tribulacionista. Mas há dois problemas com este texto: primeiro, ele provavelmente não foi escrito pelo próprio Efrém da Síria, mas por um pseudo-Efrém, ou seja, por um falsário se querendo passar pelo verdadeiro Efrém! O verdadeiro é do século IV, o falsário é do século XII.

 

Em segundo lugar, quando contextualizamos a passagem, vemos que nem mesmo aquele trecho escrito pelo falsário serve para provar que alguém alguma vez já creu no pré-tribulacionismo antes de Darby, pois o autor não entendia pelo termo “tribulação” aquilo que entendemos hoje (i.e, a grande tribulação apocalíptica), mas estava fazendo uma referência ao que Paulo diz em 2ª Tessalonicenses 1:3-10, quando o apóstolo fala da tribulação como sendo a paga (juízo) que sobrevirá aos ímpios após a grande tribulação.

 

Em outras palavras, Efrém da Síria, ou o falsário que se passou por ele nesta ocasião, era tão pós-tribulacionista quanto qualquer outro autor de sua época. Quando ele diz que “os santos serão recolhidos antes da tribulação” ele está apenas dizendo que os santos serão recolhidos antes do juízo (condenação) que Deus dará aos ímpios, e isso se dá depois do término da tribulação apocalíptica. A “confusão que dominará o mundo” como consequencia do pecado é a destruição desta terra para dar lugar aos “novos céus e nova terra” prometidos por Deus, também ao término da grande tribulação, e não antes dela.

 

Tudo isso fica mais claro quando mostramos tal declaração diante de seu devido contexto, que diz:

 

"Nós devemos compreender perfeitamente por isso, meus irmãos, o que é iminente ou pendente. Houve fomes e pestes, abalos violentos das nações e sinais, os quais foram previstos pelo Senhor, e foram cumpridos (consumados), e nada mais resta, exceto a vinda do iníquo [o homem do pecado] na plenitude do reino romano. Por que estamos ocupados com os negócios do mundo, e nossa mentalidade nos desejos pecaminosos deste mundo ou nas preocupações deste tempo? Portanto, por que não rejeitamos cada preocupação com as coisas terrenas e nos preparamos para o encontro com nosso Senhor Jesus Cristo, para que nos leve da confusão que oprime o mundo? Acredite-me, queridos irmãos, porque a vinda do Senhor está próxima, acredite em mim, porque o fim do mundo está próximo, acreditem, porque é o verdadeiro final dos tempos. Ou não irão crer a menos que vejam com seus próprios olhos? Vejam que esta frase não se compre em vocês como declara o profeta: ‘Ai dos que desejam ver o dia do Senhor!’ Porque os santos e escolhidos serão reunidos antes da tribulação que há de vir, e serão levados ao o Senhor para não verem a confusão que dominará o mundo por causa dos pecados. E assim, meus queridos irmãos, é a décima primeira hora, e o fim do mundo vem com a ceifa, e os anjos armados e preparados, com foices nas mãos, esperando o império do Senhor

 

O contexto todo favorece a visão pós-tribulacionista, pois “para Efrém, quando escreveu o texto, a vinda do Senhor e o fim do mundo estavam próximos e as os sinais já haviam se cumprido, exceto um, a vinda do anticristo. Esta afirmação jamais sairia da boca de um pré-tribulacionista, pois isto significaria que a vinda do homem do pecado é iminente e um sinal que falta para a vinda do Senhor e do fim do mundo”[10].

 

Essa tribulação que o pseudo-Efrém se refere não é a tribulação do Apocalipse, mas a tribulação do fim do mundo, quando o mundo será atribulado pela presença do Senhor e os ímpios serão destruídos no lago de fogo. O autor usa os termos “a vinda do Senhor” e “o fim do mundo” de forma intercambiável, em um paralelismo que demonstra que essa volta de Jesus era no fim do mundo, e não sete anos antes em um suposta volta secreta.

 

Ele também faz alusão ao “fim do mundo que vem com a ceifa”, que é uma referência a Mateus 13:36-43 e a Apocalipse 14:14-20, ambos os textos pós-tribulacionistas, que retratam acontecimentos que ocorrerão após a grande tribulação, e não antes dela. Portanto, Efrém não cria que os santos serão arrebatados antes ou no meio da tribulação, mas depois dela, assim como todos os outros Pais da Igreja. Ele estava fazendo uma referência à “tribulação” que Paulo se refere em 2ª Tessalonicenses 1:3-10, que não é a tribulação apocalíptica, mas o juízo no fim do mundo:

 

“Se de fato é justo diante de Deus que dê em paga tribulação aos que vos atribulam, e a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão eterna destruição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que crêem (porquanto o nosso testemunho foi crido entre vós)” (2ª Tessalonicenses 1:3-10)

 

A “tribulação” que Paulo e Efrém se referem é o castigo da destruição eterna (morte final) que os ímpios sofrerão, após o término da tribulação apocalíptica na volta de Jesus. Eles só sofrerão este castigo após o juízo, que ocorre depois da grande tribulação, e não antes. Sendo assim, a crença do pseudo-Efraim em nada divergia de todos os outros escritores antigos: ele também cria que os crentes passarão pela tribulação, mas sabia que serão arrebatados ao fim dela para não terem que sofrer o dano da condenação no fim do mundo, que irá atribular os ímpios.

 

 

• Conclusão

 

Muitos outros escritos de outros Pais da Igreja poderiam ser expostos, mas esses já nos ajudam a demonstrar de forma inequívoca que o pensamento unânime dos primeiros cristãos era realmente de um arrebatamento pós-tribulacional. Nenhum deles jamais mencionou uma suposta vinda secreta de Jesus, nem uma ressurreição antes da tribulação final, nem um arrebatamento secreto. Todos os Pais que abordaram os temas escatológicos disseram explicitamente o contrário, conservando a doutrina ortodoxa de que a Igreja passará pela grande tribulação.

 

Alguns ainda poderiam alegar que talvez fosse possível que os outros Pais da Igreja, que nunca escreveram nada sobre escatologia, cressem em um arrebatamento pré-tribulacional. Esse é um argumento do silêncio, visto que todos aqueles que de fato escreveram eram pós-tribulacionistas. Além disso, se havia algum bispo, teólogo, presbítero ou pastor na igreja primitiva que cresse em um arrebatamento pré-tribulacional, ele obviamente não hesitaria em escrever refutando todos aqueles que tão constantemente diziam o contrário.

 

Já vimos que Irineu, Justino, Hipólito, Efrém e a Didaquê eram todos pós-tribulacionistas. Se existisse alguém que pensava o contrário na época deles, por que não escreveu nada refutando a teologia pós-tribulacionista deles? Eles não refutaram nada porque não tinham nada a discordar. Todos os outros também eram pós-tribulacionistas! Isso demonstra que naquela época havia um parecer unânime de que o arrebatamento era pós-tribulacional, pois, se o assunto dividisse opiniões, esperaríamos ver vários debates sobre este tema entre os primeiros cristãos, o que nunca aconteceu.

 

Nos dias de hoje é totalmente comum vermos debates acalorados entre pré e pós-tribulacionistas, porque estamos no século XXI e essa doutrina já foi inventada no século XIX. Mas em momento nenhum dos primeiros dezoito séculos da Igreja houve qualquer debate sobre este tema em toda a história, porque nunca ninguém havia proposto uma teoria contrária à pós-tribulacionista.

 

Os Pais da Igreja discordavam em muitos assuntos entre eles, havia muita discussão e debate sobre muitos temas, muitas vezes precisando até de concílios para resolverem a questão, mas nunca houve sequer uma única divergência sobre o arrebatamento, porque todos criam que a Igreja passaria pela grande tribulação!

 

Diante de tudo isso, apenas resta aos pré-tribulacionistas desacreditarem em todos os Pais da Igreja que escreveram sobre o assunto e também desacreditarem em todos os Reformadores e em todos os cristãos que viveram durante dezoito séculos, pois estariam todos unanimemente errados! Eles apelam para a Sola Scriptura para alegarem que devemos rejeitar os escritos dos Pais da Igreja porque somente a Bíblia é canônica e é a nossa única regra de fé e prática.

 

De fato, é somente a Bíblia a nossa regra de fé, mas será que isso significa que devemos desacreditar por completo no parecer unânime de todos os Pais da Igreja? Obviamente não. Isso porque esses Pais da Igreja apenas conservaram e passaram adiante aquilo que ouviram dos próprios apóstolos, isto é, dos que escreveram a Bíblia. Muitos deles foram mais que meros teólogos – eles foram testemunhas oculares dos apóstolos.

 

A Didaquê, por exemplo, foi escrita entre 70-90 d.C, em uma época em que o apóstolo João ainda estava vivo, pois ele só foi martirizado em 103 d.C. E ela prega explicitamente o pós-tribulacionismo. É impossível que os cristãos tivessem se desviado doutrinariamente dentro de tão pouco tempo e de forma tão radical, ao ponto de não deixar nenhum vestígio da verdadeira doutrina nas décadas que se seguiram.

 

Se a Didaquê estivesse errada, seria o próprio João que corrigira aqueles que a escreveram, se é que o próprio João não participou daquela compilação. Homens como Justino, por exemplo, viveram no início do segundo século, conviveram com Policarpo que foi discípulo de João, é impossível que não tivessem conservado e registrado a verdadeira doutrina.

 

Para ilustrar a situação, pense em um pai procurando o filho que ficou desaparecido depois que saiu da escola. Diante disso, qual seria a primeira reação deste pai? Obviamente ele iria à escola perguntar aos alunos e professores se eles sabiam do paradeiro do seu filho, pois saberia que se ele foi a algum lugar pode ter avisado algum deles. Então, se todos os alunos unanimemente respondem que esse filho foi ao cinema que fica no shopping da cidade, esse pai saberá que seu filho foi ao cinema e é para lá que ele vai se dirigir. Ele não irá duvidar da veracidade da informação passada por todos os colegas e professores.

 

Algo semelhante ocorre quando tratamos dos escritos dos primeiros Pais da Igreja, do primeiro século até meados do segundo. Estamos falando de pessoas que conviveram de perto com os apóstolos, que foram doutrinados por algum deles ou que viveram pessoalmente com discípulos dos apóstolos, na segunda geração apostólica. Estamos falando de pessoas que sabem o que os apóstolos originalmente ensinaram, pois os apóstolos transmitiram a doutrina a eles, algo totalmente diferente de John Darby, que nasceu em pleno século XIX e que nunca viu nenhum apóstolo pessoalmente e nem foi discipulado por nenhum bispo que conviveu com um apóstolo!

 

Dito em termos simples, Daby inventou uma nova doutrina, enquanto os Pais da Igreja apenas conservaram a verdadeira doutrina. Confiar em Darby em vez de confiar no que disseram os Pais da Igreja é o mesmo que aquele pai ir consultar outros alunos de outra escola que em nada tem a ver com o seu filho, e que dão uma informação totalmente diferente sobre alguém que nunca viram na vida, contrariando aqueles que estiveram pessoalmente com ele. Não é algo sensato e muito menos racional. Mas é o que os pré-tribulacionistas fazem.

 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

 

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli.

 



[1] Didaquê, 16:3-6.

[2] Justino, Diálogo com Trifão, Cap.110.

[3] Irineu, Contra as Heresias, Livro V, 26:1.

[4] Irineu, Contra as Heresias, Livro V, Cap.30.

[5] Irineu, Contra as Heresias, Livro V, 35:1.

[6] Tratado sobre Cristo e o Anticristo, Cap.5.

[7] Tratado sobre Cristo e o Anticristo, Cap.49.

[8] Tratado sobre Cristo e o Anticristo, Cap.60.

[9] Tratado sobre Cristo e o Anticristo, Cap.61.

[10] LIMA, Fernando Alves. Escatologia Primitiva – Parte 5 – Efraim, o Sírio. Disponível em: <http://postribulacionismo.blogspot.com.br/2011/08/escatologia-primitiva-parte-5-efraim-o.html>. Acesso em: 14/12/2013.

 

 

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