OS ESPÍRITOS EM PRISÃO
Jesus foi ao inferno pregar aos antediluvianos? – Uma passagem bastante utilizada para colocar Jesus no inferno (vale tudo para defender a imortalidade da alma...) se encontra na primeira epístola de Pedro. O texto bíblico assim narra: “Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água” (cf. 1Pe.3:18-21).
Por isso, grande parte dos imortalistas pregam que entre a morte e a ressurreição Jesus foi para o inferno, selecionou os espíritos dos antediluvianos dos dias de Noé, e lhes fez uma pregação. Há muitos problemas com essa interpretação. Em primeiro lugar, o ensino bíblico em sua totalidade nega qualquer oportunidade de salvação para os mortos, pois ela é restrita apenas a esta vida (cf. 2Co.6:1,2; Hb.3:13; Hb.9:27, etc.).
Logo, Cristo não poderia ter pregado para pessoas mortas, pois elas não podem mais se arrepender e sair do lugar de condenação para o lugar de conforto. Dizer que Cristo literalmente desceu para o inferno, a fim de fazer uma pregação para pessoas já mortas e condenadas é, além de colocar o Senhor Jesus em um lugar que ele não merece, ferir a Bíblia que afirma categoricamente que os mortos não tem uma segunda oportunidade de salvação, tornando-se assim vã qualquer pregação.
Em segundo lugar, uma vez que os mortos não poderiam mais sair daquele lugar de tormento, então qualquer pregação de Cristo, independente de qual fosse o teor, seria inútil, uma vez que aqueles perdidos não poderiam sair de lá jamais. Se os mortos que se encontravam no inferno, ou no Hades, não poderiam sair de lá mesmo, não importa qual fosse a pregação, então podemos até especular sobre como devia ter sido a tal da “pregação”:
“Eis que vos trago ‘boas novas’ de grande desespero: Estão sendo atormentados por seus pecados? Não viram nada ainda! Muito mais torturas enfrentarão depois da ressurreição quando as suas ‘almas imortais’ forem lançadas junto com os seus corpos não-incorruptíveis, iguais aos dos salvos, no lago de fogo e enxofre!...” . Será que isso faz o estilo de Jesus Cristo? Não me parece nem um pouco!
Em terceiro lugar, tendo descido ao Hades ou inferno, Jesus teria selecionado apenas e tão-somente os espíritos daqueles da época de Noé, que enquanto estavam queimando no fogo, Jesus escolheu a dedo só a alguns, e enquanto eles queimavam, Jesus foi fazendo a pregação para eles. Os outros, contudo, presumivelmente deviam estar com os ouvidos tampados (ou algo assim).
E, por fim, após terminar de ouvir a tal da pregação (enquanto queimavam entre as chamas), eles continuaram queimando do mesmo jeito que antes! Isso realmente deve fazer lógica para os imortalistas, além de basearem-se em um Deus arbitrário, que escolhe a dedo alguns poucos “privilegiados” para ouvirem a pregação enquanto queimam no fogo do inferno, do purgatório, ou do Hades, e os outros nem sequer podem ouvir a tal pregação!
Em quarto lugar, o texto nada diz sobre Jesus ter passado pelo inferno (ou Hades). Se Cristo não subiu para o Céu entre a sua morte e ressurreição (cf. Jo.20:17), tampouco teria morrido e ido para o inferno, lugar no qual ele, sem pecado algum, não merece parar lá! Se Cristo tivesse ido para o inferno fazer essa pregação, então bastaria que Pedro tivesse mencionado isso no verso 19, no qual ele menciona que a pregação teria sido realizada aos espíritos em prisão.
Se Cristo tivesse descido ao inferno ou ao Hades, Pedro poderia ter perfeitamente mencionado este local, como qualquer um assinaria “espíritos no inferno” ou “espíritos no Hades”. O fato de Pedro não mencionar nenhum destes dois lugares provém do fato de que essa prisão corresponde à prisão do pecado, como veremos mais adiante. E, em quinto lugar, mandar Jesus para o inferno é ferir a ética e o bom senso que nos diz que um homem santo como este não seria mandado para tal lugar entre a sua morte e ressurreição!
Portanto, tendo em vista as razões lógicas expostas acima, é ilógico interpretar a passagem da maneira como querem os dualistas. Veremos a seguir mais algumas provas de que tal interpretação deles está equivocada e, em seguida, explicar e elucidar tal passagem à luz do contexto.
Alguns versículos que lançam bastante luz – Além dos fatos já expostos acima, há mais razões pelas quais a Bíblia desaprova absolutamente que Cristo tenha pregado no inferno para pessoas que já estavam mortas. Acima foi exposto como que o bom senso liquida com tal “interpretação”, e agora veremos alguns textos bíblicos que também derrubam com qualquer possibilidade dos mortos ouvirem o evangelho.
“Como cooperadores de Deus, insistimos com vocês para não receberem em vão a graça de Deus. Pois ele diz: No tempo aceitável te escutei e no dia da salvação te socorri; eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação!” (cf. 2Co.6:1,2)
Aqui fica claro que a pregação para a salvação não é depois da morte, mas é “aqui agora”, neste momento, no tempo chamado “hoje”. Depois da morte não existe qualquer chance de ouvir a pregação a fim de ser salvo, porque é hoje – agora – o tempo aceitável, o dia da salvação.
A mesma linguagem é empregada pelo autor de Hebreus: “Pelo contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama ‘hoje’, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado” (cf. Hb.3:13). O tempo que nós temos de encorajar uns aos outros é hoje, nesta presente vida, porque depois não teremos mais qualquer possibilidade de ouvir ao evangelho. Por isso, é durante o tempo que se chama “hoje” que ainda existe tal possibilidade.
O evangelho não é e nem pode ser pregado para mortos, mas apenas aqueles que estão debaixo do céu: “Desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu. Esse é o evangelho do qual eu, Paulo, me tornei ministro” (cf. Cl.1:23)
Se os mortos tivessem ouvido alguma pregação de Cristo entre a sua morte e ressurreição, então segue-se logicamente que o evangelho também teria sido proclamado não apenas àqueles que estão debaixo do céu, mas também àqueles que estão “no além”, ou no inferno. Tal suposição, contudo, é negada pelas claras palavras do apóstolo Paulo em relatar que até aquele momento o evangelho havia sido pregado era para aqueles que estão “debaixo do céu” (ou seja, nós), e não a pessoas já mortas em algum lugar!
Por fim, de acordo com o texto de Hebreus 9:27, que diz que “depois da morte vem o juízo” (cf. Hb.9:27), segue-se, portanto, a ideia de que os mortos já estariam julgados e qualquer pregação de Cristo seria vã, pois o juízo é “eterno” (cf. Hb.6:2), ou seja, irreversível! Portanto, biblicamente não existe qualquer chance de salvação depois da morte, bem como não existe qualquer possibilidade de ouvir a pregação do evangelho depois de já haver morrido - muito menos estando no inferno!
Por tudo isso, os eruditos bíblicos mais sérios têm rejeitado a interpretação absurda de que Jesus tivesse ido para o inferno pregar para pessoas mortas que não poderiam se salvar. Tal suposição, além de contradizer completamente as regras da lógica e do bom senso e de ir frontalmente contra a Palavra de Deus, ainda tem como finalidade colocar Jesus no inferno. É uma suposição tão satânica quanto a própria lenda da imortalidade da alma.
O nosso próximo passo, a partir de agora, é analisarmos o devido contexto a fim de interpretarmos corretamente o texto de 1 Pedro 3:19 à luz do contexto textual e das verdades apresentadas nas Escrituras.
Como entender os “espíritos em prisão”? - Para vermos o que Pedro estava dizendo nessa passagem, temos que contextualizá-la ao invés de isolarmos o verso 19 para fundamentarmos uma doutrina antibíblica. Aliás, é bem típico dos defensores da imortalidade da alma retirarem um verso totalmente fora do seu contexto, porque se o contextualizam veem claramente que tal suposição não tem fundamento algum.
Já averiguamos isso ao longo de todo este estudo e, de fato, a maioria das passagens bíblicas utilizadas por eles são provas fortíssimas contra a própria imortalidade da alma se são colocadas no seu contexto. A mesma coisa acontece neste caso. O verso anterior (v.18), explica o seguinte (v.19), declarando: “Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. Ele foi morto no corpo, mas vivificado pelo Espírito”.
Aqui o termo “espírito” é o próprio Espírito Santo, conforme também mencionam muitas boas traduções como a Versão Inglesa King James (considerada por muitos a melhor versão do mundo), a versão francesa Louís Segond, a versão italiana Giovanni Diodati Bible, a versão alemã Luther, a versão católica da CNBB, a NVI (Nova Versão Internacional), a nova versão Vulgata Latina, entre outras.
Jesus não foi vivificado pelo espírito dele mesmo, foi o Espírito Santo quem vivificou a Cristo. O original grego não possui diferenciação alguma entre as letras maiúsculas e/ou minúsculas, de modo que é pelo contexto que analisamos se “espírito” trata-se da pessoa do Espírito Santo ou não. A prova mais forte de que é o Espírito Santo quem vivificou a Cristo está na própria Bíblia Sagrada:
“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vocês” (cf. Rm.8:11). O Espírito (Santo) que ressuscitou a Cristo é o mesmo que nos ressuscitará. Nisso fica claro que o “espírito” no verso 18 é uma referência ao Espírito Santo, e não ao próprio espírito de Cristo. Portanto, o verso 18 afirma que Jesus foi vivificado pelo Espírito (Santo).
A palavra grega “en” (empregada no início do verso 19) refere-se ao termo anterior “Espírito” e o verso 19, significa que Cristo pregou aos antediluvianos, não pessoalmente, mas pelo Espírito Santo nos dias de Noé. Levando-se em conta o contexto bíblico o texto diz o seguinte: “Nos dias de Noé, por meio do Espírito Santo Cristo pregou aos antediluvianos que estavam presos pelas cadeias do pecado”.
Quais eram essas “cadeias”? O próprio Cristo responde: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos” (cf. Lc.4:18-21).
Vemos que Jesus compreendia que a sua obra terrena implicava principalmente em dar “abertura da prisão aos presos”. Ora, de qual “prisão” Jesus estava falando? Da prisão espiritual. Achavam-se ligados em pecado, e Cristo devia fazer essa obra, porquanto sobre Ele estava “o espírito do Senhor”. Tanto Cristo quanto as pessoas a quem Ele pregava, estavam vivos. Inúmeras menções a “prisão” como sendo uma referência espiritual (e não física ou literal), com respeito ao pecado, é encontrada nas Sagradas Escrituras. No Salmo 142:7 Davi suplicou que Deus tirasse a sua alma da prisão:
“Tira a minha alma da prisão, para que louve o teu nome; os justos me rodearão, pois me fizeste bem” (cf. Sl.142:7). Provérbios 5:22 nos afirma que a prisão que traz a alma prisioneira é a prisão do pecado: “Quanto ao ímpio, as suas iniqüidades o prenderão, e com as cordas do seu pecado será detido” (cf. Pv.5:22). E que os antediluvianos estiveram bem presos na prisão do pecado é evidenciável a partir da leitura bíblica de Gênesis 6:5-13. Portanto, o Espírito Santo pregou a pessoas vivas, e não a pessoas mortas que estavam queimando em algum lugar e não podiam mais se salvar!
A “prisão” ali mencionada é uma referência, não ao inferno-geena, e nem ao hades ou tártarus, mas sim à prisão espiritual na qual estão presos aqueles que vivem no pecado. Ademais, o termo “espírito” não remete a pessoas mortas desencarnadas. Biblicamente, os vivos são considerados como espíritos, porque corpo, alma e espírito são características da mesma pessoa. Na sua primeira epístola aos Coríntios (cf. 16:18), Paulo aplica o termo com respeito as pessoas vivas – “Porque trouxeram refrigério ao meu espírito” -, isto é, a mim, a minha pessoa.
Também em Gálatas 6:18, ele afirma: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja irmãos, com o vosso espírito”. Vosso espírito quer dizer convosco, com a vossa pessoa. Gênesis 7:15 afirma que: “de toda a carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em dois para junto de Noé na arca” (cf. Gn.7:15). Em Hebreus 12:23, vemos o termo “espírito” ser utilizado como menção para a igreja militante.
Portanto, o termo “espírito” remete a pessoas vivas, e não mortas. E a última questão a ser resolvida é: Quando é que se deu tal pregação? No verso 21 há a expressão “noutro tempo”, que claramente se identifica com o tempo em que “a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé”. O tempo era os dias de Noé, o tempo durante o qual Deus procurou libertá-los da prisão do pecado.
Portanto, a passagem bíblia, dentro de seu devido contexto, nega qualquer possibilidade de salvação após a morte ou de pregação para pessoas mortas e que não poderiam mais sair do lugar onde se encontravam. A Bíblia é bem clara em mencionar que a oportunidade de receber a pregação oferecida por Cristo é somente nesta vida (cf. 2Co.6:1,2; Hb.3:13; Hb.9:27; Cl.1:23). O professor Apolinário faz uma boa observação em sua conclusão sobre tal passagem:
“Ao ler com atenção 1 Pedro 3:18, verificamos que o Espírito Santo que ressuscitou dos mortos a Cristo, foi o meio usado por Cristo para advertir o povo do tempo de Noé, de que estava iminente o dilúvio e se preparassem para entrar na arca. Não obstante, eles rejeitaram a mensagem, e somente Noé e sua família foram salvos. Não há, pois, nestes passos, insinuação alguma de que enquanto esteve na sepultura, Cristo haja pregado. Essa doutrina é ensinada pela Igreja Católica, sem apoio nas Escrituras” [“Explicação de Textos Difíceis da Bíblia”, pág.244]
O mesmo Pedro afirma que Noé era um “arauto de justiça” (cf. 2Pe.2:5). A pregação ocorreu não quando Cristo teria descido ao “inferno” (o que é antibíblico), mas sim pelo Espírito Santo (v.18), durante os dias de Noé. O que podemos tirar de 1Pedro 3:18-21 é simplesmente que nos dias de Noé, por meio do Espírito Santo Cristo pregou aos antediluvianos que estavam presos pelas cadeias do pecado.
Não há apoio nenhum a doutrina da imortalidade da alma e não apresenta contradição alguma com o restante total das Escrituras Sagradas que negam em completo a doutrina da imortalidade da alma. Os únicos que querem colocar Jesus no inferno são os satanistas, e não os verdadeiros cristãos. Vejamos, então, o resumo de alguns pontos que confirmam essa correta interpretação acima, em detrimento da interpretação isolada dos imortalistas no verso 19.
1 |
Não coloca Jesus no inferno. |
2 |
Não contradiz o resto da Bíblia toda que desmente completamente a imortalidade da alma. |
3 |
A pregação não foi de Jesus pessoalmente, mas sim pelo Espírito Santo, como indica o contexto (v.18). |
4 |
A “prisão” não é o inferno ou o Hades (se fosse, poderia perfeitamente ser utilizado estas palavras), mas trata-se da prisão espiritual na qual se encontravam aqueles antediluvianos. |
5 |
Não indica uma segunda oportunidade de salvação após a morte. |
6 |
Não faz com que o evangelho tenha sido pregado para pessoas mortas em condenação, o que é antibíblico e inútil, já que eles não poderiam sair de lá mesmo. O evangelho foi pregado aos que hoje estão mortos (mas estavam vivos na época em que a pregação foi feita). |
7 |
Não induz um Deus arbitrário que escolhe alguns privilegiados da época de Noé para ouvir a pregação (em meio à condenação) enquanto os outros que não foram selecionados ficaram sem ouvir nada. |
8 |
Faz uma correspondência correta com o tempo em que tal pregação foi feita através do Espírito Santo (v.21). |
9 |
Não contradiz o próprio Pedro que afirma em outra oportunidade que os ímpios só serão punidos no dia do Juízo (cf. 2Pe.2:9) e que serão reduzidos as cinzas (cf. 2Pe.2:6), desmentindo assim qualquer imortalidade incondicional aos condenados. |
10 |
Por fim, o fato que Pedro narrou em 1Pe.18-21 não é uma “revelação extrabíblica” que ele recebeu diretamente de Cristo depois que ele ressuscitou (e não avisou isso), mas sim um fato bíblico, como os autores das epístolas do NT constantemente costumavam citar as Escrituras. Que o Espírito Santo pregou por meio de Noé e de sua família àqueles antediluvianos, que não aceitaram a pregação, isso é um fato bíblico. Em outras palavras, Pedro citou um fato escriturístico, sendo que ele mesmo afirmou ser Noé um instrumento de Deus para a justiça na terra de sua época (cf. 2Pe.2.5). Pedro não foi “além do que está escrito” (cf. 1Co.4:6), pelo contrário, narrou algo que a Bíblia conta. |
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Por: Lucas Banzoli.
Extraído do meu livro ”A LENDA DA IMORTALIDADE DA ALMA”.
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